A implementação das Diretrizes das Nações Unidas de Proteção ao Consumidor em matéria de consumo sustentável, no direito brasileiro

A IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES DAS NAÇÕES UNIDAS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR EM MATÉRIA DE CONSUMO SUSTENTÁVEL, NO DIREITO BRASILEIRO Organizadoras LUCIANE KLEIN VIEIRA VICTÓRIA MARIA FRAINER Casa Leiria

Este livro é o resultado parcial da pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto intitulado: "A implementação das Diretrizes das Nações Unidas de Proteção ao Consumidor, de 2015, em matéria de consumo sustentável, no Direito brasileiro", coordenado pela Profa. Dra. Luciane Klein Vieira e aprovado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, no contexto do Edital FAPERGS nº 04/2019 – Auxílio Recém Doutor (ARD).

A IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES DAS NAÇÕES UNIDAS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR EM MATÉRIA DE CONSUMO SUSTENTÁVEL, NO DIREITO BRASILEIRO

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS Reitor Prof. Dr. Pe. Sérgio Eduardo Mariucci Vice-reitor Prof. Dr. Artur Eugênio Jacobus Diretora da Unidade Acadêmica de Pesquisa e Pós-Graduação Profa. Dra. Maura Corcini Lopes Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito Prof. Dr. Anderson Vichinkeski Teixeira COMITÊ CIENTÍFICO Prof. Dr. Augusto Jaeger Júnior Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Brasil Profa. Dra. Claudia Madrid Martínez Universidad Autónoma Latinoamericana, Colômbia Universidad Central de Venezuela – UCV, Venezuela Prof. Dr. Eduardo Andrés Calderón Marenco Universidad Cooperativa de Colombia – UCC, Colômbia Profa. Dra. Joséli Fiorin Gomes Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, Brasil Profa. Dra. Leila Devia Universidad de Buenos Aires – UBA, Argentina Prof. Dr. Luís Renato Vedovato Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Brasil Profa. Dra. Sandra C. Negro Universidad de Buenos Aires – UBA, Argentina Prof. Dr. Vitor Hugo do Amaral Ferreira Universidade Franciscana – UFN, Brasil EDITORA CASA LEIRIA - CONSELHO EDITORIAL Ana Carolina Einsfeld Mattos (UFRGS) Ana Patrícia Sá Martins (UEMA) Antônia Sueli da Silva Gomes Temóteo (UERN) Glícia Marili Azevedo de Medeiros Tinoco (UFRN) Haide Maria Hupffer (Feevale) Isabel Cristina Arendt (Unisinos) Isabel Cristina Michelan de Azevedo (UFS) José Ivo Follmann (Unisinos) Luciana Paulo Gomes (Unisinos) Luiz Felipe Barboza Lacerda (UNICAP) Márcia Cristina Furtado Ecoten (Unisinos) Rosangela Fritsch (Unisinos) Tiago Luís Gil (UnB)

CASA LEIRIA São Leopoldo-RS 2022 LUCIANE KLEIN VIEIRA VICTÓRIA MARIA FRAINER ORGANIZADORAS A IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES DAS NAÇÕES UNIDAS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR EM MATÉRIA DE CONSUMO SUSTENTÁVEL, NO DIREITO BRASILEIRO

A IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES DAS NAÇÕES UNIDAS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR EM MATÉRIA DE CONSUMO SUSTENTÁVEL, NO DIREITO BRASILEIRO Editoração: Casa Leiria. Revisão: Luciane Klein Vieira e Victória Maria Frainer. Os textos e as imagens são de responsabilidade de seus autores. Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – Fapergs. Edital ARD 04/2019 Proc. nº 19/2551-0001316-7 Ficha catalográfica Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB 10/973

Policies for promoting sustainable consumption should take into account the goals of eradicating poverty, satisfying the basic human needs of all members of society and reducing inequality within and between countries. UNITED NATIONS (Guidelines for Consumer Protection, 2015, n. 7)

Sumário 8 SUMÁRIO 11 Apresentação Luciane Klein Vieira Victória Maria Frainer 15 Histórico da formulação das Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor, com destaque para o tema do consumo sustentável Marcelo Gomes Sodré 43 Antropocentrismo e sustentabilidade ambiental Délton Winter de Carvalho Kelly de Souza Barbosa 67 Momento de reflexão: eu consumidor no mundo atual de hiperconsumo e as questões de consumo sustentável (ODS 12)! Raquel von Hohendorff 95 A relação entre a dimensão social da sustentabilidade, o consumismo, a fome e a obesidade no Brasil Talissa Truccolo Reato Cleide Calgaro Agostinho Oli Koppe Pereira 113 A produção e o consumo sustentável de alimentos. Ações do Brasil para o (des)cumprimento do ODS 12, da Agenda 2030 Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega 147 O tema ESG e o agronegócio: desafios e oportunidades Wilson Engelmann 165 O direito à informação para o consumo sustentável de alimentos nas Diretrizes das Nações Unidas de Proteção ao Consumidor e o uso de agrotóxicos no Brasil Victória Maria Frainer Vitória Volcato da Costa 183 Tributação e consumo sustentável Marciano Buffon Vinicius de Oliveira Barcellos 203 Publicidade e consumo sustentável: as normas e o mercado Adalberto Pasqualotto

Sumário 9 229 A educação ambiental como uma das Diretrizes das Nações Unidas para a promoção do consumo sustentável no Brasil Ana Paula Atz Haide Maria Hupffer Marília Longo do Nascimento 253 Do Atacama a Kantamanto: indústria fast fashion e a necessária busca por novos padrões de consumo Tatiana Cardoso Squeff Gabriel Pedro Moreira Damasceno 279 Função social do contrato e a interface com a proteção ambiental: considerações sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos Cláudio José Franzolin 301 Mitos e verdades sobre a logística reversa no Brasil Tasso Alexandre Richetti Pires Cipriano 321 La cooperación y la integración regional como herramientas para promover y garantizar el consumo sostenible Luciana B. Scotti 347 Derecho Internacional Privado, cooperación y desarrollo sostenible: desafíos para el ordenamiento jurídico argentino Sebastián Paredes

11 APRESENTAÇÃO Luciane Klein Vieira Victória Maria Frainer O livro que se apresenta contempla o resultado parcial das pesquisas levadas a cabo no âmbito do projeto “A implementação das Diretrizes das Nações Unidas de Proteção ao Consumidor, de 2015, em matéria de consumo sustentável, no Direito brasileiro”, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS, através do Edital ARD nº 04/2019, processo nº 19/2551-0001316-7, coordenado pela Profa. Dra. Luciane Klein Vieira e executado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. O livro conta com contribuições – de autores que participam do projeto e também de autores convidados – que se ocupam da análise do consumo sustentável sob a ótica da adoção das orientações das Nações Unidas nesta matéria, no direito brasileiro, destacando o papel do consumidor consciente e informado para a preservação do meio ambiente e para a manutenção do bem-estar das gerações atuais e futuras. Dando início ao estudo, Marcelo Gomes Sodré percorre os caminhos que levaram à formulação das Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor, desde 1985 até a versão atual, dando destaque à variável da sustentabilidade. Na sequência, Délton Winter de Carvalho e Kelly de Souza Barbosa analisam os diversos enfoques da cosmovisão antropocentrista e ecocentrista, aplicados ao debate referente à construção da sustentabilidade e da inclusão de padrões ambientais no processo de crescimento econômico. Raquel von Hohendorff convida o leitor para uma reflexão em torno ao papel do consumidor no atual mundo do hiperconsumo, colocando acento em como podem ser alcançadas as metas contidas no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 12, que se refere especificamente à produção e ao consumo sustentável. Talissa Truccolo Reato, Cleide Calgaro e Agostinho Oli Koppe Pereira, em seu capítulo, procuram estabelecer de forma unívoca as relações que podem existir entre a dimensão social da sustentabilidade, o consumismo, a fome e a obesidade no Brasil.

Luciane Klein Vieira e Victória Maria Frainer 12 Sob outro enfoque, Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega reflete sobre a produção e o consumo sustentável de alimentos, no Brasil, trazendo à colação as ações, bem como as carências relativas ao cumprimento do ODS n.º 12 pelo Estado brasileiro. Por sua vez, Wilson Engelmann aborda os desafios e oportunidades vinculados à sustentabilidade no agronegócio e à perspectiva ESG aplicada às empresas, ocupando-se das dimensões ambientais, sociais e da governança corporativa. Finalizando a análise da implementação das Diretrizes das Nações Unidas de Proteção ao Consumidor sob a ótica do consumo sustentável de alimentos, Victória Maria Frainer e Vitória Volcato da Costa abordam o direito à informação ao consumidor no que tange ao uso de agrotóxicos, no Brasil. Preocupados com o fomento da produção e do consumo sustentáveis, Marciano Buffon e Vinícius de Oliveira Barcellos abordam o tema da tributação extrafiscal como mecanismo legítimo para a redução de impactos no meio ambiente. Adalberto Pasqualotto, fazendo uma análise em torno à legislação e ao mercado brasileiro, reflete sobre os impactos da publicidade ambiental e sobretudo das práticas de greenwashing na sociedade de consumo e no comportamento do consumidor. A seu turno, Ana Paula Atz, Haide Maria Hupffer e Marília Longo do Nascimento discutem as possibilidades trazidas pela educação ambiental como ferramenta destinada à implementação das Diretrizes das Nações Unidas de Proteção ao Consumidor, no que toca à promoção do consumo sustentável no Brasil. Por sua vez, Tatiana Cardoso Squeff e Gabriel Pedro Moreira Damasceno se ocupam dos impactos causados pelo crescimento da indústria fast fashion, buscando alternativas para a adoção de novos padrões de consumo voltados à sustentabilidade. Abordando a função social do contrato e o diálogo com a proteção ambiental, Cláudio José Franzolin analisa a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a destinação ambientalmente adequada dos resíduos, considerados bens socioambientais, na etapa pós-consumo. Também preocupado com a etapa pós-consumo e a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Tasso Alexandre Richetti Pires Cipriano descreve os mitos e verdades sobre a logística reversa no Brasil. Finalizando a obra, Luciana B. Scotti aborda a diretriz da cooperação internacional como mecanismo para a promoção e garantia do consumo sustentável nos processos de integração regional.

Apresentação 13 Sebastián Paredes, analisando o eixo temático supra referido, elenca os desafios encontrados pelo direito internacional privado argentino para a posta em prática do desenvolvimento sustentável, medida que pode servir de inspiração às soluções que devem ser adotadas no direito brasileiro. Na esperança de que a obra que se apresenta contribua para o debate acerca dos logros alcançados pelo Brasil na implementação da sustentabilidade no mercado de consumo, deixando em evidência as dificuldades e pontos a serem sanados em termos de legislação e políticas públicas, convidamos a todos à leitura! Luciane Klein Vieira Victória Maria Frainer São Leopoldo, 5 de janeiro de 2022.

15 HISTÓRICO DA FORMULAÇÃO DAS DIRETRIZES DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR, COM DESTAQUE PARA O TEMA DO CONSUMO SUSTENTÁVEL Marcelo Gomes Sodré1 Sumário: 1. Introdução; 2. Uma visão geral da formulação das três versões das Diretrizes: 1986, 1999 e 2016; 2.1. Diretrizes na versão de 1985 – Resolução 39/248, de 16 de abril de 1985; 2.2. Diretrizes na versão ampliada de 1999 – E/CN.17/1998/5 – Resolução E/1999/INF/2/Add.2, de 26 de julho de 1999; 2.3. Diretrizes na versão ampliada de 2015 – Resolução da Assembleia Geral 70/186, Documento A/RES/70/186; 2.4. Comentário geral; 3. A inclusão da sustentabilidade na versão de 1999; 4. A situação atual do tema do consumo sustentável no Sistema das Nações Unidas; 5. Considerações finais; Referências. 1. Introdução A formulação das Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor tem um histórico a ser conhecido e analisado. Tal exercício permite compreender as mudanças ocorridas na sociedade nas últimas décadas, bem como quais as respostas ofertadas pelo sistema das Nações Unidas para os problemas advindos destas transformações. A sociedade na qual se iniciaram as discussões sobre a proteção dos consumidores na década de 60 do século passado era bem diferente da atual e ter um olhar histórico possibilita analisar o ponto que nos encontramos enquanto sociedade, bem como se temos respostas adequadas para os novos problemas que surgiram. 1 Professor da Graduação e Pós-Graduação da PUC/SP, Doutor em Direitos Difusos, Coordenador do IPA – Instituto de Pesquisas Ambientais do Estado de São Paulo. E-mail: mgsodre@uol.com.br

Marcelo Gomes Sodré 16 A prospecção metodológica proposta parte da divisão do período recente em três fases distintas: (i) a da elaboração das Diretrizes, que ocupa o último quarto do século XX; (ii) a da primeira ampliação, que se inicia em meados da década de 90 e se concretiza no final do século XX; e (iii) a da segunda modificação, agora na forma de uma revisão, quando já estamos em pleno século XXI. Para cada um destes períodos, verificamos preocupações com problemas distintos e, por conta disto, as respostas são distintas. E, as Diretrizes são o reflexo destas respostas. Se as alternativas criadas foram adequadas ou não, só o tempo dirá. Por óbvio, devemos lembrar que as diretrizes são um esforço de formular um instrumento internacional muito importante, mas que não têm poder sancionatório persuasivo. Diretrizes não são leis impositivas internacionais. São, como o próprio nome diz, orientações gerais nas quais recomenda-se que os países e sociedade sigam. Mas sem qualquer poder sancionatório internacional. Além disto, as diretrizes são resultado de consensos internacionais no âmbito das Nações Unidas, o que faz com que, muitas vezes, não sejam muito avançadas: elas são o que a média dos países aceita e pode cumprir. E este atendimento no âmbito nacional muitas vezes demonstra disparidades enormes. Quando as Nações Unidas se predispõem a analisar a implementação destas Diretrizes, o que ela verifica sobretudo é se elas foram, ou não, internalizadas no âmbito nacional dos diversos países. Trata-se, assim, de uma análise muito mais formal do que material. Isto porque a ideia é de que cada país deve se preocupar com a implementação dentro de suas fronteiras. Existe, porém, uma outra forma das Nações Unidas verificarem se as Diretrizes cumpriram seu papel: analisar se nas demais políticas o tema da proteção do consumidor ganhou alguma ressonância. Neste ponto é importante perceber que o movimento de construção das diretrizes é muito mais o inverso do poderíamos pensar: não foi o movimento de defesa dos consumidores que exigiu uma mudança nas políticas ambientais. Pelo contrário: a análise histórica que vamos apresentar demonstra que foi o movimento de defesa do meio ambiente que incluiu o tema dos padrões de consumo e produção sustentáveis na pauta consumerista. Isto porque os primeiros documentos das Nações Unidas que tratam do consumo sustentável nasceram das conferências sobre meio ambiente. Este artigo tem dois objetivos: (i) contar a história da formulação das Diretrizes e a situação atual do tratamento internacional do tema; e (ii) indicar, para futuros pesquisadores, referências documentais que nem sempre são fáceis de localizar. Como participei ativamente da formulação

Histórico da formulação das Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor, com destaque... 17 da segunda versão das diretrizes,2 tenho a possibilidade de disponibilizar documentos que normalmente passaram desapercebidos. Antes de iniciar esta história importante fazer um alerta: todos os regulamentos citados, com exceção de um da Comunidade Europeia, são provenientes do Sistema das Nações Unidas. Assim, vamos denominá-los pela classificação adotada oficialmente e nas referências apresentaremos o endereço eletrônico das Nações Unidas, todos consultados no mês de dezembro de 2021, no qual podem ser localizadas. 2. Uma visão geral da formulação das três versões das Diretrizes da ONU: 1985, 1999 e 2016 A formulação das diretrizes para a proteção do consumidor tem três versões no decorrer do tempo: • o texto original adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas: Resolução 39/248, de 9 de abril de 1985;3 • o texto ampliado pelo ECOSOC/UN – The Economic and Social Council: Resolução E/1999/INF/2/Add.2, de 26 de julho de 1999;4 • o texto revisto pela Assembleia Geral das Nações Unidas, Resolução 70/186, de 22 de dezembro de 2015.5 2 Como responsável pelo programa consumo e meio ambiente, da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e representante da Consumers International, fui um dos organizadores, junto com Stefan Larenas do Chile, do Interregional Expert Group Meeting on Consumer Protection and Sustainable Consumption ocorrido em São Paulo, Brasil, de 28 a 30 de janeiro de 1998, que produziu o documento que serviu de base para a versão final aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1999. 3 UNITED NATIONS. General Assembly. Guidelines for consumer protection. 106th plenary meeting, 9 April 1985. Document A/RES/39/248. Disponível em: https://undocs.org/ en/A/RES/39/248. Acesso em: 26 dez. 2021. 4 UNITED NATIONS. Economic and Social Council. Expansion of the United Nations guidelines on consumer protection to include sustainable consumption. 39th plenary meeting, 26 July 1999. Document E/1999/INF/2/Add.2. Disponível em: https://www.preven tionweb.net/files/resolutions/N9924841.pdf. Acesso em: 26 dez. 2021. 5 UNITED NATIONS. General Assembly. Resolution adopted by the General Assembly on 22 December 2015 – Consumer protection. 81st plenary meeting, 22 December 2015. Document A/RES/70/186. Disponível em: https://unctad.org/system/files/official-document/ ares70d186_en.pdf. Acesso em: 26 dez. 2021.

Marcelo Gomes Sodré 18 Cada uma destas versões dos textos das Diretrizes corresponde a preocupações dos momentos históricos no qual foram criadas, bem como do órgão das Nações Unidas responsável pelo tema. 2.1 Diretrizes na versão de 1985 – Resolução 39/248, de 16 de abril de 1985 Para compreender a primeira versão das diretrizes é preciso relembrar uma pergunta muito comum à época: por que surgiu o direito do consumidor? Dentre as várias respostas,6 fiquemos com a lição do Prof. Guido Alpa, quando deixa expresso que a proteção do consumidor é uma resposta aos problemas decorrentes do chamado capitalismo avançado: A descoberta do consumidor é bastante recente. Ela é um dado típico das sociedades opulentas e se dá gradativamente em todos os países ocidentais, à medida que se alcançam os estágios do capitalismo avançado. A descoberta do consumidor não é acompanhada, todavia, pela adoção imediata de medidas legislativas em sua defesa. Faz-se necessário um longo período de tempo para sensibilizar a opinião pública e chamar a atenção dos legisladores sobre os problemas dos consumidores (tradução nossa).7 É neste contexto que começam a ser enunciados internacionalmente os direitos do consumidor. Por demais conhecida é a mensagem enviada em 1962 pelo Presidente Kennedy ao Congresso Americano quando enumera o que denominamos como a primeira listagem dos direitos do consumidor e afirma a necessidade dos governos terem programas de proteção dos consumidores:8 6 A este respeito, dentre outros: SODRÉ, Marcelo Gomes. A construção do direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009. 7 ALPA, Guido. Il Diritto dei Consumatori. Editori Laterza, 1995. p. 3. 8 “(1) The right to safety – to be protected against the marketing of goods which are hazardous to health or life. (2) The right to be informed – to be protected against fraudulent, deceitful, or grossly misleading information, advertising, labeling, or other practices, and to be given the facts he needs to make an informed choice. (3) The right to choose – to be assured, wherever possible, access to a variety of products and services at competitive prices; and in those industries in which competition is not workable and Government regulation is substituted, an assurance of satisfactory quality and service at fair prices. (4) The right to be heard – to be assured that consumer interests will receive full and sympathetic consideration in the formulation of Government policy, and fair and expeditious treatment in its administrative tribunals”. PAPERS of John F. Kennedy. Presidential Papers. President’s Office Files. Speech Files. Special message to Congress on protecting consumer interest. 15 March 1962. Disponível em: https://www.jfklibrary.org/asset-viewer/archives/JFKPOF/037/ JFKPOF-037-028. Acesso em: 26 dez. 2021.

Histórico da formulação das Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor, com destaque... 19 Direito à segurança – ser protegido contra a comercialização de produtos perigosos para a saúde ou a vida. O direito de ser informado – de ser protegido contra informações, publicidade, rotulagem ou outras práticas fraudulentas, enganosas ou grosseiramente enganosas, e de receber os fatos de que precisa para fazer uma escolha informada. Direito de escolha – ter assegurado, sempre que possível, o acesso a uma variedade de produtos e serviços a preços competitivos; e nos setores em que a concorrência não é viável e a regulamentação governamental é substituída, uma garantia de qualidade e serviço satisfatórios a preços justos. O direito de ser ouvido – ter a garantia de que os interesses do consumidor receberão consideração plena e solidária na formulação da política governamental e tratamento justo e rápido em seus tribunais administrativos. Para nossa finalidade importa notar que foi na década de 1970 que o tema de proteção do consumidor ganhou corpo na comunidade internacional. O estímulo inicial partiu da entidade mundial que congregava as diversas organização de defesa do consumidor mundo afora: a IOCU – International Organization of Consumers Union. E este desenvolvimento ocorreu em duas frentes: na formulação da legislação da Comunidade Europeia e no âmbito das Nações Unidas. A Comunidade Europeia divulgou, 1975, sua primeira Resolução9 sobre o tema, na qual também indicou os direitos básicos dos consumidores: (i) proteção à saúde e segurança; (ii) proteção de seus interesses econômicos; (iii) reparação de danos; (iv) informação e educação; (v) consulta e representação. Entrava pela primeira vez, em uma listagem de diretos, o direito à reparação. Foi neste contexto que, na década de 70, a IOCU – International Organization of Consumers Union, atual Consumers International, iniciou uma campanha para que as Nações Unidas fizessem algo de importante na defesa dos consumidores.10 No Congresso Mundial da IOCU, realizado em Sidney, Austrália, em 1975, foram aprovados encaminhamentos para uma campanha internacional estimulando as seguintes medidas: (i) que a Secretaria Geral da 9 COMUNIDADE ECONÔMICA EUROPEIA. Conselho Europeu. Resolução do Conselho Europeu, de 14 de abril de 1975, relativa a um programa preliminar da Comunidade Econômica Europeia para uma política de proteção e informação dos consumidores. 14 abr. 1975. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX: 31975Y0425(01)&from=ES. Acesso em: 26 dez. 2021. 10 A respeito: The Consumer Movement, Lectures by Colston E. Warne, editado por Richard L. D. Morse; e IOCU, on Record – A Documentary History of the International Organization of Consumers Union 1960-1990, de Foo Gaik Sim, editado pela Consumers Union.

Marcelo Gomes Sodré 20 ONU deveria preparar e publicar um relatório sobre proteção do consumidor nos Estados membros da ONU; e (ii) que a ECOSOC – The Economic and Social Council, Departamento das Nações Unidas, deveria designar um Grupo de especialistas para preparar um Código Prático de Proteção do Consumidor Modelo para consideração e recomendação à Assembleia Geral. Assim, a temática da proteção dos consumidores teve início no âmbito das Nações Unidas quando na reunião da ECOSOC, ocorrida em Genebra, em julho de 1977, foi solicitado um estudo detalhado sobre o tema (Documento 1997/53).11 A preocupação principal era verificar, sobretudo nos países não desenvolvidos, o estágio nacional da proteção dos consumidores. E, no ano de 1981, o ECOSOC aprovou, após diversas determinações,12 a Resolução E/1981/62,13 que solicitou à Assembleia Geral que desenvolvesse estudos visando a elaboração de Diretrizes sobre a proteção do consumidor.14 Foi a partir desta decisão que o Sistema das Nações Unidas efetivamente iniciou um movimento do sentido de aprovar Diretrizes para a Proteção dos Consumidores. E o documento base que serviu de discussão foi preparado pela própria IOCU, tendo como fundamento um estudo proveniente de um seminário ocorrido em Bangkok em junho de 1981.15 Assim, podemos afirmar que esta primeira fase das Diretrizes (1985) teve como preocupação central o reconhecimento dos direitos do consumidor no âmbito internacional, a institucionalização destes direitos em âmbito nacional e a consequente implementação, em especial nos países não desenvolvidos. Foi um marco importante, uma vez que daí decorreu a aprovação de leis de defesa dos consumidores na grande maioria dos países.16 11 UNITED NATIONS. Economic and Social Council. Consumer protection. 37 plenary meeting. 23 July 1997. Document E/RES/1997/53. Disponível em: https://digitallibrary. un.org/record/247583?ln=en. Acesso em: 26 dez. 2021. 12 Dentre outras: E/1978/81 – 8 de junho de 1978; 1979/75 – 3 de agosto de 1979; Resolução 38/147 de 19 de dezembro de 1983 da Assembleia Geral; Resolução 1984/63 de 26 de julho de 1984 da ECOSOC. 13 UNITED NATIONS. Economic and Social Council. Resolutions and Decisions of the Economic and Social Council. Document E/1981/81/Add.1. 1981. Disponível em: https://digi tallibrary.un.org/record/195671?ln=en. Acesso em: 26 dez. 2021. 14 SIM, Foo Gaik. IOCU on record: A documentary history of the International Organization of Consumers Unions, 1960-1990. Consumers Union, 1991. p. 98. 15 UNITED NATIONS. Extract from the report of the Regional Consultation on consumer protection held in Bangkok from 2 to 8 June 1981. Document E/1981/C.3/L.2. Disponível em: https://digitallibrary.un.org/record/22916?ln=en. Acesso em: 26 dez. 2021. 16 A este respeito, dentre outros: SODRÉ, Marcelo Gomes. A construção do direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009.

Histórico da formulação das Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor, com destaque... 21 2.2 Diretrizes na versão ampliada de 1999 – E/CN.17/1998/5 – Resolução E/1999/INF/2/Add.2, de 26 de julho de 1999 Na década de 90 o tema do meio ambiente ganhou novos contornos e junto surgiram as questões relacionadas ao consumo sustentável. O marco central foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio 92 e a elaboração de um documento denominado Agenda 21.17 Este documento, adotado por todos os países que participaram da Conferência, parte de uma constatação geral (item 1.1) e de uma constatação específica ao tratar do consumo sustentável (item 4.3): 1.1. A humanidade se encontra em um momento de definição histórica. Defrontamo-nos com a perpetuação das disparidades existentes entre as nações e no interior delas, o agravamento da pobreza, da fome, das doenças e do analfabetismo, e com a deterioração contínua dos ecossistemas de que depende nosso bem-estar. Não obstante, caso se integrem as preocupações relativas a meio ambiente e desenvolvimento e a elas se dedique mais atenção, será possível satisfazer às necessidades básicas, elevar o nível da vida de todos, obter ecossistemas melhor protegidos e gerenciados e construir um futuro mais próspero e seguro. São metas que nação alguma pode atingir sozinha; juntos, porém, podemos – em uma associação mundial em prol do desenvolvimento sustentável. [...] 4.3. A pobreza e a degradação do meio ambiente estão estreitamente relacionadas. Enquanto a pobreza tem como resultado determinados tipos de pressão ambiental, as principais causas da deterioração ininterrupta do meio ambiente mundial são os padrões insustentáveis de consumo e produção, especialmente nos países industrializados. Motivo de séria preocupação, tais padrões de consumo e produção provocam o agravamento da pobreza e dos desequilíbrios. Pela primeira vez na história, os países à unanimidade aceitaram a ideia de que os padrões insustentáveis de consumo e produção são uma das principais causas da deterioração do meio ambiente mundial, especialmente nos países industrializados. E ainda concluíram que estes padrões contribuem também para o aumento da pobreza. Foi neste contexto mundial que as Nações Unidas optaram por incluir o tema do consumo sustentável nas Diretrizes de Proteção dos Con17 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Agenda 21. Rio de Janeiro, 1992. Esta tradução não é uma versão oficial da Agenda 21. Disponível em: https://antigo.mma.gov.br/responsabilidade- socioambiental/agenda-21/agenda-21-global.html. Acesso em: 26 dez. 2021.

Marcelo Gomes Sodré 22 sumidores. A história merece ser relatada. Em 1990 a ECOSOC por meio da Resolução 1990/8518 decidiu fazer uma avaliação da implementação das Diretrizes de 1985. Por conta disto, em 1995, a delegação do Chile apoiada por outros países propôs às Nações Unidas a revisão das Diretrizes com a inclusão do tema do meio ambiente. Mais uma vez a IOCU, agora Consumers International, estava por trás desta iniciativa. A diretora de campanha da Consumers International – Maria Elena Hurtado – era chilena e obteve o compromisso do Chile de encampar a proposta. Tal proposição foi adotada no Relatório do ECOSOC apresentado em 1995, quando surgiu a ideia oficial de uma ampliação das Diretrizes para a inclusão do tema ambiental na proteção dos consumidores. O relatório da Secretaria Geral assim definiu: II. ESCOPO FUTURO DAS DIRETRIZES 73. Quando a Assembleia Geral adotou as Diretrizes para a Proteção do Consumidor há dez anos, ela reconheceu que a proteção do consumidor não podia mais ser vista estritamente em termos domésticos. No entanto, os governos membros não poderiam ter previsto a velocidade com que o mundo estava mudando. As questões ambientais, a crise da dívida global, a disseminação dos serviços financeiros e o efeito da publicidade e da mídia de massa na informação disponível aos consumidores tiveram um efeito profundo sobre os consumidores. [...] 75. Como havia sido observado no relatório anterior do Secretário-Geral sobre a proteção do consumidor (E / 1992/48), que havia sido preparado antes da Cúpula da Terra de 1992, há uma forte ligação entre a produção, o consumo e o descarte de bens e serviços e um ambiente sustentável. Em reconhecimento ao papel significativo que o comportamento do consumidor desempenha na exacerbação ou alívio dos problemas ambientais, a preocupação tradicional do consumidor com o “valor pelo preço” se ampliou para abranger a responsabilidade pelo meio ambiente. 76. Para fazerem as escolhas apropriadas, entretanto, os consumidores precisam de informações precisas sobre o impacto ambiental dos bens e serviços que adquirem. Atualmente, cerca de 30 países, concentrados no mundo desenvolvido, elaboraram esquemas de rotulagem ecológica. Isso levantou uma série de preocupações nos países em desenvolvimento sobre a produção, o comércio e os efeitos ambientais. É necessário aumentar a transparência, o uso de dados científicos, a consideração das condições ambientais específicas dos países produtores, a transferência de tecnologia 18 UNITED NATIONS. Economic and Social Council. Consumer protection. 37th plenary meeting. 23 July 1997. Document E/RES/1997/53. Disponível em: https://digitallibrary. un.org/record/247583?ln=en. Acesso em: 26 dez. 2021.

Histórico da formulação das Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor, com destaque... 23 ambientalmente correta, a análise precisa e sistemática do ciclo de vida e a participação de produtores estrangeiros no desenvolvimento dos esquemas (tradução nossa).19 Como resultado desta decisão, inicia-se um processo de inclusão do tema do consumo sustentável nas Diretrizes. Por conta de todas estas discussões no âmbito das Nações Unidas, em 1999, as Diretrizes foram ampliadas por meio da Resolução E/1999/INF/2 /Add.2 de 26 de julho de 1999. O conteúdo destas alterações e o histórico de sua construção serão analisados à frente neste trabalho em capítulo próprio. 2.3 Diretrizes na versão ampliada de 2015 – Resolução da Assembleia Geral 70/186, Documento A/RES/70/186 Já no século XXI ocorreu uma mudança fundamental em relação ao tema das Diretrizes: elas passaram a ser discutida no âmbito da UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development e não mais no âmbito da ECOSOC – Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, o que acarretou uma visão muito mais ligada aos temas referentes aos negócios e ao comércio internacional do que aos temas sociais. Tal foi expressamente determinado no Report of the United Nations Conference on Trade and Development on its thirteenth session, Held in Doha, Qatar, from 21 to 26 April 2012: B. O papel da UNCTAD [...] 56. De acordo com o parágrafo 18, a UNCTAD deve: [...] (m) Realizar análises e pesquisas e ajudar os países em desenvolvimento e os países com economias em transição a formular e im19 “II. FUTURE SCOPE OF THE GUIDELINES 73. When the General Assembly adopted the Guidelines for Consumer Protection 10 years ago, it recognized that consumer protection could no longer be seen strictly in domestic terms. Yet Member Governments could not have anticipated the speed with which the world was changing. Environmental issues, the global debt crisis, the spread of financial services and the effect of advertising and the mass media on information available to consumers have had a profound effect on consumers. So has the rapid globalization of manufacturing, production and distribution systems. As policy debates converge and the international marketplace becomes yet more globalized, tools such as the Guidelines, aimed at providing universally accepted norms, become ever more important. […] 75. As had been noted in the previous report of the Secretary-General on consumer protection (E/1992/48), which had been prepared prior to the 1992 Earth Summit, there is a strong link between the production, consumption and disposal of goods and services and a sustainable environment. In recognition of the significant role consumer behaviour plays in either exacerbating or alleviating environmental problems, the traditional consumer concern for “value for price” has broadened to encompass responsibility for the environment”. UNITED NATIONS. Economic and Social Council. Consumer protection: Report of the Secretary-General. Document E/1995/70. Disponível em: https://digitalli brary.un.org/record/184063?ln=en. Acesso em: 26 dez. 2021. p. 17-18.

Marcelo Gomes Sodré 24 plementar políticas de concorrência e proteção ao consumidor, promover o compartilhamento das melhores práticas e realizar avaliações por pares com relação à implementação de tais políticas (tradução nossa).20 Já vivíamos em um momento distinto: um mundo globalizado e com o mundo digital intermediando as relações entre as pessoas e as relações comerciais. Esta terceira revisão das Diretrizes de 2015 se reportou a este novo momento. É importante verificar que é neste novo contexto que as Nações Unidas aprovaram, em 2015, a terceira versão das Diretrizes de Proteção dos Consumidores, adotada na Assembleia Geral de 22 de dezembro de 2015. Este processo é relatado pela própria UNCTAD: Em julho de 2012, a Primeira Reunião Ad Hoc de Especialistas em Proteção ao Consumidor decidiu que a UNCTAD deveria iniciar um processo de consulta sobre a revisão do UNGCP. Como resultado, o secretariado da UNCTAD produziu o Relatório de Implementação das Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor (1985-2013). A Segunda Reunião Ad Hoc de Peritos em Proteção ao Consumidor, realizada em julho de 2013 sob a Presidência Francesa, discutiu o Relatório de Implementação e suas conclusões, e propôs a criação de quatro Grupos de Trabalho (sobre comércio eletrônico, serviços financeiros, outras questões e implementação) que alimentaria o relatório do Secretariado da UNCTAD, Modalidades para a Revisão do UNGCP, a ser submetido à VII Conferência das Nações Unidas para Revisão de Todos os Aspectos do Conjunto de Princípios e Regras Equitativos Multilateralmente Acordados para o Controle de Práticas Restritivas de Negócios. Em julho de 2013, a Terceira Reunião Ad Hoc de Especialistas em Proteção ao Consumidor discutiu o Relatório de Modalidades e suas conclusões, além de outras questões que foram destacadas pelos Estados membros e partes interessadas como candidatos para inclusão no UNGCP. Um texto foi negociado entre especialistas em proteção ao consumidor e missões diplomáticas em Genebra entre janeiro e junho de 2015. A Sétima Conferência das Nações Unidas para a Revisão de Todos os Aspectos do Conjunto de Princípios e Regras Equitativos Multilateralmente Acordados para o Controle de Práticas Restritivas de Negócios, realizada em Genebra de 6 a 10 de julho de 2015, adotou por unanimidade em 20 “B. The role of UNCTAD 56. In accordance with paragraph 18, UNCTAD should: […] Conduct analysis and research and help developing countries and countries with economies in transition to formulate and implement competition and consumer protection policies, promote the sharing of best practices, and carry out peer reviews with regard to the implementation of such policies;”. UNITED NATIONS. United Nations Conference on Trade and Development. Report of the United Nations Conference on Trade and Development on its thirteenth session. Document TD/500/Add.1. Disponível em: https://digitallibrary.un.org/ record/738348?ln=en. Acesso em: 26 dez. 2021. p. 12.

Histórico da formulação das Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor, com destaque... 25 sua Resolução, o Projeto de Resolução sobre proteção ao consumidor e o UNGCP revisado e convidou “a Assembleia Geral das Nações Unidas, em sua septuagésima sessão em 2015, a considerar a adoção do Projeto de Resolução sobre Proteção ao Consumidor e as Diretrizes das Nações Unidas sobre Proteção ao Consumidor revisadas anexadas a esta resolução. A Assembleia Geral adotou a resolução sobre a proteção do consumidor e o UNGCP em anexo em 22 de dezembro de 2015 na resolução 70/186 (tradução nossa).21 Como restou explícito, por conta de todo este movimento, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou esta profunda revisão nas Diretrizes para a Proteção dos Consumidores, que foi adotada em 22 de dezembro de 2015, com a seguinte designação Resolução 70/86,22 tendo como base o relatório Documento A/70/470/Add.1.23 Não é difícil perceber que no âmbito das preocupações da UNCTAD, a defesa do consumidor está inserida muito mais no contexto da proteção da concorrência global e das boas práticas comerciais, do que da defesa do meio ambiente. 2.4 Comentário geral Uma análise sumária da versão das Diretrizes aprovadas em 1985 demonstra que tal documento: (i) foi dirigido diretamente aos governos no sentido de que estes deveriam ter programas e leis em defesa dos consumidores: “Os governos devem desenvolver, fortalecer ou manter uma forte política de proteção ao consumidor [...]”;24 (ii) a preocupação central é no sentido de que os consumidores devem ter a devida assistência governamental para uma proteção adequada; e (iii) os direitos básicos dos consumidores a serem atendidos são: proteção da saúde e segurança, promoção 21 UNITED NATIONS. General Assembly. Resolution adopted by the General Assembly on 22 December 2015 – Consumer protection. 81st plenary meeting, 22 December 2015. Document A/RES/70/186. Disponível em: https://unctad.org/system/files/official-document/ ares70d186_en.pdf. Acesso em: 26 dez. 2021. 22 UNITED NATIONS. General Assembly. Resolution adopted by the General Assembly on 22 December 2015 – Consumer protection. 81st plenary meeting, 22 December 2015. Document A/RES/70/186. Disponível em: https://unctad.org/system/files/official-document/ ares70d186_en.pdf. Acesso em: 26 dez. 2021. 23 UNITED NATIONS. General Assembly. Macroeconomic policy questions: international trade and development. Report of the Second Committee. 15 December 2015. Document A/70/470/Add.1. Disponível em: https://digitallibrary.un.org/record/814622?ln=en. Acesso em: 26 dez. 2021. 24 UNITED NATIONS. General Assembly. Guidelines for consumer protection. 106th plenary meeting, 9 April 1985. Document A/RES/39/248. Disponível em: https://undocs.org/en/A/ RES/39/248. Acesso em: 26 dez. 2021.

Marcelo Gomes Sodré 26 de seus interesses econômicos, acesso à informação, educação para o consumo, indenização, possibilidade de intervir, individualmente ou em grupo, nas decisões que serão tomadas que os afetem. O central aqui é que os países deveriam aprovar leis de defesa dos consumidores. E, neste aspecto, a diretriz foi extremamente eficaz: em um prazo curto de 10 anos, praticamente todos os países passam a legislar sobre os direitos do consumidor.25 Por sua vez, vale notar, preliminarmente, que a ampliação das Diretrizes em 1999 teve como contexto básico o fato de que a inclusão do consumo sustentável decorreu sobretudo do movimento mundial de proteção ambiental, que ganhou força internacional na década de 90. Além disto, é importante chamar a atenção para o fato de que esta ampliação de 1999 mudou profundamente o escopo de aplicação das Diretrizes, posto que se antes ela era dirigida sobretudo aos governos de países não desenvolvidos para que formulassem políticas públicas, agora ela passa a ser dirigida principalmente aos países de primeiro mundo, que são os grandes responsáveis pela degradação ambiental. E, ainda, o novo foco das Diretrizes deixa de ser os direitos dos consumidores, passando a abarcar também os deveres dos consumidores. Por fim, a ampla revisão das Diretrizes ocorrida em 2015 teve como escopo central o tema das boas práticas no mundo digital globalizado. Aqui a preocupação é sobretudo com a garantia de um espaço de negócios saudáveis e o consumo é um dos aspectos a serem tratados. Neste sentido, o consumo sustentável deixa de ser um foco central para ser apenas um dos temas coadjuvantes. 3. A inclusão da sustentabilidade na versão de 1999 Em relação aos problemas relacionados à sustentabilidade ambiental, as Diretrizes de 1985 foram paupérrimas, tendo apenas uma referência ao tema no seu item 32 (f ) quando, ao tratar do direito à educação e à informação, determina que devem ser incluídos os temas da poluição e meio ambiente, quando apropriado. Ou seja, os problemas ambientais ainda não eram centrais, o que somente ocorrerá na década seguinte. Isto é tanto verdade que o ECOSOC – The Economic and Social Council, em 1990, recomendou a realização de uma avaliação sobre a implementação das Diretrizes e não fez referência a qualquer item relacionado ao meio ambiente 25 A este respeito, dentre outros: SODRÉ, Marcelo Gomes. A construção do direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009.

Histórico da formulação das Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor, com destaque... 27 nesta avaliação,26 dando destaque apenas ao tema da implantação das políticas pelos governos nacionais e dos testes de produtos no que se refere à segurança. O tema do consumo sustentável ainda estava por vir. E veio. Já vimos que a Consumers International, na sequência da aprovação da Agenda 21 de 1992,27 fez uma campanha para que as Nações Unidas introduzissem o tema do consumo sustentável nas Diretrizes. Para fins de registro e possibilitar novas pesquisas, indico alguns dos principais documentos que levaram à ampliação das Diretrizes no ano de 1999: • General Assembly – Fifth Session – supplement nº 3 – 1995 – relata o que foi feito até então em relação a este tema – Documento A/50/3/Rev.1; • ECOSOC, em 31 de agosto de 1995, requer a inclusão do consumo sustentável nas Diretrizes – Documento E/1995/INF/4/ Add.2; • ECOSOC, em 23 de julho de 1997, recomenda a apresentação de propostas de mudança das Diretrizes – Documento 1997/53. Por conta destas recomendações, a ECOSOC preparou um esboço preliminar da ampliação das Diretrizes e o submeteu, em janeiro de 1998, a uma Reunião do Grupo Inter-Regional de Especialistas das Nações Unidas sobre Proteção ao Consumidor e Consumo Sustentável e que teve como presidentes o Embaixador Celso Amorim, na época representante permanente do Brasil nas Nações Unidas e Fabio Feldman, na época Secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Tal documento teve a seguinte denominação: Guidelines for consumer protection with proposed new elements on sustainable consumption.28 A referida reunião realizou-se em São Paulo29 e teve como organizador local a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, com apoio da Consumers International. Neste documento foram condensadas as conclusões descritas abaixo, bem como dis26 UNITED NATIONS. Economic and Social Council. Consumer protection. 27 July 1990. Document E/RES/1990/85. Disponível em: https://digitallibrary.un.org/record/99306?ln= en. Acesso em: 26 dez. 2021. 27 As Nações Unidas realizaram, no Rio de Janeiro, em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, aprovando a Agenda 21. 28 UNITED NATIONS. Economic and Social Council. Consumer protection: guidelines for sustainable consumption. Report of the Secretary-General. 19 February 1998. Document E/CN.17/1998/5. Disponível em: https://digitallibrary.un.org/record/250742?ln=en. Acesso em: 26 dez. 2021. 29 Foi organizado por Marcelo Sodré pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Stefan Larenas, pela entidade civil chilena de defesa do consumidor, com o aporte da Consumers International.

Marcelo Gomes Sodré 28 cutido e preparado um anexo com as propostas para o texto da ampliação das Diretrizes das Nações Unidas. Pode-se dizer, por conta disto, que o texto final da ampliação de 1999 das Diretrizes teve uma influência direta da visão brasileira sobre o tema. As conclusões gerais deste encontro que deram fundamento à proposta de texto merecem ser transcritas:30 II. CONCLUSÕES GERAIS DO ENCONTRO 7. O consumo sustentável é uma parte essencial do desenvolvimento sustentável e está intimamente ligado à produção sustentável. A produção sustentável diz respeito ao lado da oferta, com foco no impacto econômico, social e ambiental dos processos produtivos, enquanto o consumo sustentável diz respeito ao lado da demanda, com foco nas escolhas dos consumidores de bens e serviços, como alimentação, abrigo, vestuário, mobilidade e lazer, para atender às necessidades básicas e melhorar a qualidade de vida. 8. As medidas de promoção do consumo sustentável afetam não apenas os produtos e serviços utilizados diretamente pelos consumidores, mas também a energia e os materiais consumidos nos processos produtivos e os resíduos gerados ao longo do ciclo de vida do produto, desde a extração da matéria-prima até o descarte ou reaproveitamento. 9. Ao promover o consumo sustentável, os governos devem atuar em parceria com todos os membros da sociedade. Deve ser dada atenção especial ao papel significativo desempenhado pelas mulheres e pelas famílias como consumidoras. Os governos devem apoiar ativamente as organizações de consumidores e outras organizações da sociedade civil na promoção do consumo sustentável. 10. Para alcançar um consumo mais sustentável, é crucial promover a participação pública na formulação de políticas de gestão e uso dos recursos naturais essenciais para atender às necessidades humanas básicas, em particular os recursos hídricos, terrestres e oceânicos. 11. O consumo sustentável requer que consumidores, comunidades, empresas e organizações da sociedade civil estejam cientes dos potenciais efeitos ambientais de produtos e serviços, incluindo impactos locais e globais. Informações, infraestrutura e instalações devem estar disponíveis para os consumidores que desejam mudar seus padrões de consumo. 12. O empoderamento do consumidor para o consumo sustentável requer escolhas informadas e mecanismos preventivos e corretivos em casos de irregularidades. 30 UNITED NATIONS. Economic and Social Council. Consumer protection: guidelines for sustainable consumption. Report of the Secretary-General. 19 February 1998. Document E/CN.17/1998/5. Disponível em: https://digitallibrary.un.org/record/250742?ln=en. Acesso em: 26 dez. 2021.

Histórico da formulação das Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor, com destaque... 29 13. Conforme indicado no parágrafo 8 das Diretrizes, ao aplicar quaisquer procedimentos ou regulamentos para a proteção do consumidor, incluindo o consumo sustentável, a devida consideração deve ser dada para garantir que eles não se tornem barreiras ao comércio internacional e que sejam consistentes com as obrigações do comércio internacional. 14. Reconhecendo que a principal causa da deterioração contínua do meio ambiente global é o padrão insustentável de consumo e produção, especialmente nos países industrializados, os governos devem cooperar na mudança dos padrões de consumo em nível global. Ao fazê-lo, eles devem ser guiados pelo princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e pela distribuição equitativa entre a população mundial dos recursos ambientais e da capacidade do meio ambiente de absorver resíduos. 15. Os países desenvolvidos devem apoiar os países em desenvolvimento na promoção do desenvolvimento e consumo sustentáveis, em particular por meio de assistência financeira, transferência de tecnologias ambientalmente saudáveis, apoio à pesquisa indígena e capacidades de desenvolvimento e melhor acesso aos mercados. 16. Os governos devem cumprir suas obrigações de acordo com acordos ambientais internacionais, incluindo o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Agenda 21. 17. Um mecanismo de revisão dessas Diretrizes deve ser estabelecido sob a égide das Nações Unidas, a fim de avaliar o progresso em sua implementação pelos Estados Membros e revisá-las conforme necessário. O Secretário-Geral deve apresentar relatórios regulares sobre o andamento de sua implementação. A assistência técnica deve ser disponibilizada aos países que podem encontrar dificuldades na coleta e processamento dos dados necessários. As conclusões desta reunião de São Paulo foram publicadas para fins de prosseguimento no próprio documento E/CN.17/1998/5 da ECOSOC e apresentadas na reunião de abril de 1998 da sexta sessão da Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas com o nome de Consumer protection: guidelines for sustainable consumption – Report of the Secretary-General. Nesta reunião houve o reconhecimento internacional do documento (Documento: A/53/3 ECOSOC), o que deu possibilidade de seu encaminhamento para decisão final: Diretrizes para a defesa do consumidor para um consumo sustentável. Na 40.ª reunião, em 23 de julho, o Conselho adotou o Projeto de Decisão I, intitulado “Orientações para a defesa do consumidor para um consumo sustentável”, recomendado pela Comissão (E / 1998/29, cap. I). Ver decisão do Conselho 1998/215.

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