Direito e Inteligência Artificial: perspectivas para um futuro ecologicamente sustentável

DIREITO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PERSPECTIVAS PARA UM FUTURO ECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEL Casa Leiria Adriano Sbaraine Ana Heloisa Milani Coelho André Rafael Weyermüller Andressa Kerschner Camilo Stangherlim Ferraresi Cleide Calgaro Danielle Paula Martins Demétrio Beck da Silva Giannakos Flávia Trentini Gabriel Wedy Gabrielle Bezerra Sales Sarlet Haide Maria Hupffer Ingo Wolfgang Sarlet Isabel Celeste Fonseca Isabel Pinheiro de Paula Couto José Rubens Morato Leite Kleber Isaac Silva de Souza Laura Eduarda da Silva Barbieri Lenio Luiz Streck Luã Nogueira Jung Micaele de Vasconcelos Correa Patrícia Iglecias Pedro Agão Seabra Filter Priscila Anselmini Rafael Pergher de Souza Roselaine Carvalho Rocha Talissa Truccolo Reato Têmis Limberger Vanessa Ferrari Wilson Engelmann Autores Gabriel Wedy Haide Maria Hupffer André Rafael Weyermüller Organizadores

Este livro é o resultado parcial da pesquisa e das relações interinstitucionais produzidas no âmbito do seguinte projeto de investigação científica: “INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA UM FUTURO SUSTENTÁVEL: DESAFIOS JURÍDICOS E ÉTICOS” Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações – MCTI Processo número 405763/2021-2, Chamada CNPq/MCTI/FNDCT Nº 18/2021 – UNIVERSAL 2021 - Faixa A - Grupos Emergentes

DIREITO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PERSPECTIVAS PARA UM FUTURO ECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEL GABRIEL WEDY HAIDE MARIA HUPFFER ANDRÉ RAFAEL WEYERMÜLLER (ORGANIZADORES) CASA LEIRIA SÃO LEOPOLDO/RS 2024

DIREITO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: PERSPECTIVAS PARA UM FUTURO ECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEL Organizadores: Gabriel Wedy, Haide Maria Hupffer e André Rafael Weyermüller. DOI: https://doi.org/10.29327/5385477 Revisão e edição: Casa Leiria. Os textos são de responsabilidade de seus autores. Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. Catalogação na Publicação Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB 10/973 Casa Leiria Ana Carolina Einsfeld Mattos Ana Patrícia Sá Martins Antônia Sueli da Silva Gomes Temóteo Glícia Marili Azevedo de Medeiros Tinoco Haide Maria Hupffer Isabel Cristina Arendt Isabel Cristina Michelan de Azevedo José Ivo Follmann Luciana Paulo Gomes Luiz Felipe Barboza Lacerda Márcia Cristina Furtado Ecoten Rosangela Fritsch Tiago Luís Gil Conselho Editorial (UFRGS) (UEMA) (UERN) (UFRN) (Feevale) (Unisinos) (UFS) (Unisinos) (Unisinos) (UNICAP) (Unisinos) (Unisinos) (UnB) D598 Direito e inteligência artificial: perspectivas para um futuro ecologicamente sustentável [recurso eletrônico] / organização Gabriel Wedy, Haide Maria Hupffer, André Rafael Weyermüller. – São Leopoldo: Casa Leiria, 2024. Disponível em: <http://www.guaritadigital.com.br/casaleiria/acervo/ direito/direito-e-ia/index.html > ISBN 978-85-9509-111-5 A obra é o resultado parcial de pesquisa que integra o projeto de investigação científica em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. 1. Direito – Inteligência artificial. 2. Direito – Inteligência artificial – Sustentabilidade. 3. Inteligência artificial – Sustentabilidade – Desafios éticos e jurídicos. I. Wedy, Gabriel (Org.). II. Hupffer, Haide Maria (Org.). III. Weyermüller, André Rafael (Org.). CDU 34:004.8

DIREITO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PERSPECTIVAS PARA UM FUTURO ECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEL

6 Direito e Inteligência Artificial: perspectivas para um futuro ecologicamente sustentável SUMÁRIO 9 Apresentação André Rafael Weyermüller Gabriel Wedy Haide Maria Hupffer 13 Inteligência Artificial e aquecimento global Gabriel Wedy Patrícia Iglecias 35 A utilização da Inteligência Artificial como um instrumento de proteção climática Ingo Wolfgang Sarlet Pedro Agão Seabra Filter 55 Crítica hermenêutica do Direito e Inteligência Artificial Lenio Luiz Streck Luã Nogueira Jung 73 O Geodireito e a Inteligência Artificial nas demandas judiciais: o caso da Lagoa da Conceição/SC José Rubens Morato Leite Kleber Isaac Silva de Souza Isabel Pinheiro de Paula Couto 97 Inteligência Artificial (IA) e dano ambiental Patrícia Iglecias Vanessa Ferrari 119 Inteligência Artificial e direito à cidade: as Smart Cities como modelo de cidades do futuro ecologicamente sustentáveis Camilo Stangherlim Ferraresi Isabel Celeste Fonseca 141 Inteligência Artificial para uma agricultura mais sustentável: aplicações e desafios éticos Haide Maria Hupffer Adriano Sbaraine Danielle Paula Martins 171 Os Direitos Humanos e fundamentais na sociedade informacional: desafios e perspectivas – um estudo sobre o emprego da Inteligência Artificial na área da saúde Gabrielle Bezerra Sales Sarlet

7 Gabriel Wedy, Haide Maria Hupffer e André Rafael Weyermüller (organizadores) 201 Instrumentos de política pública para a redução de plásticos de uso único em embalagens de alimentos: análise da política europeia e aplicação da inteligência artificial nos processos de reciclagem Flávia Trentini Ana Heloisa Milani Coelho 231 Inteligência Artificial, desenvolvimento e perspectivas André Rafael Weyermüller Andressa Kerschner Laura Eduarda da Silva Barbieri Rafael Pergher de Souza 251 Desinformação ambiental e negacionismo: cenário infodêmico Wilson Engelmann Micaele de Vasconcelos Correa 275 A Inteligência Artificial aplicada ao Sistema Judicial Civil Brasileiro e sustentabilidade Têmis Limberger Demétrio Beck da Silva Giannakos 301 O acesso à justiça contemporâneo e a jurisdição ambiental no brasil: a necessidade de especialização Talissa Truccolo Reato Cleide Calgaro 319 A tributação extrafiscal e o desenvolvimento sustentável na era digital Priscila Anselmini 339 Tributação e Inteligência Artificial: a possibilidade de tributar a pegada do carbono da IA baseado na extrafiscalidade Roselaine Carvalho Rocha 359 Sobre os autores 367 Índice remissivo

9 APRESENTAÇÃO André Rafael Weyermüller Gabriel Wedy Haide Maria Hupffer Complexidade, riscos e incertezas marcam a realidade atual, na qual a velocidade das mudanças e o incremento tecnológico estão integrados na dinâmica da sociedade de maneira inseparável e irreversível. Os desafios são criados no mesmo ritmo, deslocando a segurança para uma área de sombra que necessita receber contornos mais claros e precisos, sobretudo devido às consequências futuras de decisões equivocadas no presente. Inteligência artificial e sustentabilidade figuram como elementos centrais nesse contexto. A busca por maior conhecimento sobre esse momento único da humanidade implica em privilegiar espaços de debate qualificados que possam resultar em respostas para tantos desafios. É com esse intuito que a presente obra congregou diversos pensadores do Direito para construir um conjunto de conhecimentos qualificados e atualizados sobre dois dos elementos de maior complexidade na atualidade. A inteligência artificial e suas múltiplas aplicações, por si só já representa um desafio para o Direito. Dando um contorno ainda mais aprofundado, o desafio proposto aos autores foi contextualizar a inteligência artificial com outro tema essencial, o da sustentabilidade e todos os seus desdobramentos. A atenção para com o meio ambiente passou de uma abordagem superficial para uma necessidade urgente de mudança de paradigma frente a problemas ambientais amplos que afetam toda a humanidade, onde as mudanças climáticas se destacam entre tantos outros. Sustentabilidade ganha outro significado a partir de movimentações internacionais em torno de objetivos comuns que interligam situações sociais como pobreza e desigualdade com elementos essenciais como a água e interações sistêmicas como são as mudanças do clima. O longo e gradativo processo de desenvolvimento tecnológico permitiu alcançar um nível extraordinário de benefícios para a huDOI: https://doi.org/10.29327/5385477.1-16

10 Apresentação manidade, com destaque à medicina, agricultura, transportes e informática. A crescente população mundial não teria como se sustentar adequadamente sem todos os avanços acumulados pelo estado da técnica. Certamente nem a humanidade teria chegado ao número atual sem esse grau de inovação. Porém, se de um lado se atingiu um elevado patamar de segurança em relação a tantos aspectos da existência, por outro se criaram passivos que deixaram um rastro civilizatório extremamente complexo de enfrentar e equacionar, além de não beneficiar na mesma proporção todas as nações que possuem recursos diversos e limitações bastante distintas entre si. A essência da sustentabilidade adquire novo significado, na medida em que está relacionada com a própria existência. A denominada Inteligência Artificial ou “IA” se desenvolve nesse contexto complexo e dinâmico, sendo parte integrante das mais diversas áreas, com múltiplas aplicações e benefícios, mas também riscos conhecidos e os ainda não definidos com clareza, uma sombra a ser iluminada pelo conhecimento. Inteligência Artificial e sustentabilidade são os dois grandes temas que se interligamnos textos que compõem a obra, perpassando por diversos temas decorrentes dessa ligação, cada um expondo um tema relevante e pertinente com a busca de conhecimentos e respostas aos diversos desafios éticos e jurídicos decorrentes. As diversas abordagens construídas em torno desses dois temas se iniciam com o texto Inteligência artificial e aquecimento global. O segundo texto aborda A utilização da inteligência artificial como um instrumento de proteção climática. O terceiro é uma Crítica hermenêutica do direito e inteligência artificial. O quarto texto aborda o tema O geodireito e a inteligência artificial nas demandas judiciais: o caso da Lagoa da Conceição/SC. No quinto texto, desenvolve-se o tema da Inteligência artificial e dano ambiental. O sexto tema é a Inteligência artificial e direito à cidade: as smart cities como modelo de cidades do futuro ecologicamente sustentáveis. o sétimo texto aborda a Inteligência artificial para uma agricultura mais sustentável: Aplicações e desafios éticos. Nesse primeiro conjunto de pesquisas se tem uma ampla gama de temas com valiosos aprofundamentos teóricos e aplicados. A obra traz outros temas de igual relevância, abordando no oitavo elemento Os direitos humanos e fundamentais na sociedade informacional: desafios e perspectivas – um estudo sobre o emprego da inteligência artificial na área da saúde. O nono ponto avalia os Instrumentos de política pública para redução do uso de plásticos de uso único em embalagens de alimentos: Análise da política europeia e do uso de inteligência artificial

11 André Rafael Weyermüller, Gabriel Wedy e Haide Maria Hupffer nos processos de reciclagem. No décimo texto se desenvolve a temática da Inteligência artificial, desenvolvimento e perspectivas e no décimo primeiro o tema das Fake news ambiental e negacionismo: cenários de disputas infodêmicas. A inteligência artificial aplicada ao sistema judicial civil brasileiro e sustentabilidade é o décimo segundo tema abordado. O décimo terceiro texto aborda O acesso à justiça contemporâneo e a jurisdição ambiental no Brasil: a necessidade de especialização. Por fim, o décimo quarto e décimo quinto texto abordam os temas da A tributação extrafiscal e o desenvolvimento sustentável na era digital e A Tributação e Inteligência Artificial: a possibilidade de tributar a pegada do carbono da IA baseado na extrafiscalidade. O amplo espectro de temáticas abordadas nos capítulos reforça a importância e o alcance da obra conjunta para o esclarecimento e aprofundamento dos dois temas centrais dos quais se desdobram diversos outros mais específicos que revelam o quanto o tema central é abrangente e ramificado em diversas áreas, como questões climáticas, danos, direitos fundamentais, negacionismo, tributação, justiça, cidades, geodireito, saúde, alimentos, agricultura, hermenêutica. Uma variedade extensa de repercussões em áreas diferentes do Direito. A obra é o resultado parcial da pesquisa e das relações interinstitucionais produzidas no âmbito do seguinte projeto de investigação científica intitulado Inteligência artificial para um futuro sustentável: desafios jurídicos e éticos, com fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no âmbito do Processo número 405763/2021-2, Chamada CNPq/MCTI/FNDCT N.º 18/2021 – Universal 2021 – Faixa A – Grupos Emergentes. Assim, a obra é um instrumento de divulgação da pesquisa com o devido reconhecimento de sua relevância por meio de financiamento público. Emnome dos organizadores destaca-se a qualidade dos autores dos capítulos, os quais integram importantes redes de pesquisa e de produção científica na área do Direito. Trata-se de temas que são objeto de pesquisas e discussões aprofundadas realizadas por grupos de estudos que congregam acadêmicos, mestres e doutores, docentes e discentes, todos imbuídos na repercussão de suas pesquisas na sociedade, onde elas podemprovocar mudanças positivas. Depois de muito trabalho e dedicação de todos os envolvidos, organizadores e autores fazem essa entrega para a sociedade que pode acessar gratuitamente um extrato importante de conhecimento, esperando despertar interesse de estudiosos do Direito e curiosidade em todos aqueles que desejam saber mais sobre a realidade

12 Apresentação na qual estão inseridos. Que o interesse e a curiosidade pelo saber possam ser despertados pelo livro e que novas pesquisas e novos livros sejam produzidos como resultante do impacto que se espera produzir nos leitores. André Rafael Weyermüller Gabriel Wedy Haide Maria Hupffer

13 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E AQUECIMENTO GLOBAL Gabriel Wedy1 Patrícia Iglecias2 INTRODUÇÃO Na primeira metade do século XX, a ficção científica tornou conhecido ao mundo o conceito de robôs artificialmente inteligentes. Na década de 1950, já havia uma geração de cientistas, matemáticos e filósofos que tinham assimilado culturalmente o conceito de inteligência artificial (ou IA). Alan Turing foi quem explorou pioneiramente a inteligência artificial e sugeriu que as máquinas poderiam utilizar as informações disponíveis armazenadas para resolver problemas complexos e para tomar decisões como os seres humanos Precisamente, no ano de 1950, concluiu a célebre pesquisa Computing Machinery and Intelligence com o objetivo de elaborar procedimentos para a construção de máquinas inteligentes e de meios para avaliar a inteligência das mesmas (Turing; Copeland, 2004). Na época, aqueles grandes e pesados computadores, não tinham a função de guardar comandos, mas podiam executá-los, ou 1 Juiz Federal, membro do grupo de trabalho “Observatório do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas”, do CNJ, Professor do PPG em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Pós-doutor, Doutor e Mestre em Direito, Visiting Scholar pela Columbia Law School e pela Universität Heidelberg, integrante da IUCN World Comission on Environmental Law (WCEL), Vice-Presidente do Instituto O Direito por um Planeta Verde e Ex-Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). 2 Livre-Docente, Doutora e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade São Paulo (USP). Professora e Superintendente de Gestão Ambiental da USP; Presidente do Instituto o Direito por um Planeta Verde; Sócia de Wald Advogados; foi Secretária do Meio Ambiente de São Paulo e Presidente da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB). DOI: https://doi.org/10.29327/5385477.1-1

14 Inteligência Artificial e aquecimento global seja, eles tinham a capacidade de receber informações sobre o que fazer, mas não possuíam memória sobre o que haviam feito. O aluguel de um computador era proibitivo pelo alto custo. Apenas ricas Universidades podiam alugar um computador ao custo de duzentos mil dólares mensais, e mesmo assim necessitavam de financiamentos estatais (Smith et al., 2006). Posteriormente, Allen Newell, Cliff Shaw e Herbert Simon iniciaram o programa Teórico da Lógica, consistente na imitação das capacidades humanas para a resolução de problemas. Este foi o primeiro programa de inteligência artificial, de fato, apresentado à comunidade científica no Dartmouth Summer Research Project on Artificial Intelligence (DSRPAI), organizado por John McCarthy e Marvin Minsky, em 1956. Foi nesta conferência que McCarthy cunhou o termo IA e, também, restou demonstrado que esta poderia ser desenvolvida (Smith et al., 2006). Houve notório desenvolvimento da IA entre os anos de 1957 a 1974. No período, os computadores foram aperfeiçoados pelo homem e, para além de adquirir a capacidade de memória, tornaram- -se mais rápidos e baratos. Ficaram acessíveis aos cientistas e pesquisadores. Os algoritmos de aprendizagem das máquinas também melhoraram e as pessoas já podiam identificar com maior grau de certeza qual o algoritmo que deveria ser aplicado ao seu problema. Experiências de IA como Newell e Simon’s General Problem Solver e Joseph Weizenbaum’s ELIZA demonstraram que era possível para as máquinas resolver problemas e interpretar a língua falada. Estes pequenos avanços convenceram e estimularam as agências governamentais norte-americanas, como a Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA), a financiar o desenvolvimento da IA em várias instituições. No entanto, nos anos 1970, ainda era evidente o longo caminho a ser percorrido pela IA até que pudessem ser alcançados os objetivos do processamento da linguagem natural, do pensamento abstrato, e do autorreconhecimento. A seguir é possível observar, apenas para fins ilustrativos, a timeline da IA (Lufkin, 2017):

15 Gabriel Wedy e Patrícia Iglecias Na década de 1980, os cientistas da IA expandiram o conjunto de ferramentas algorítmicas e receberam substancioso aumento de fundos para pesquisa e desenvolvimento da mesma. John Hopfield e David Rumelhart popularizaram técnicas de aprendizagem profunda que permitiram aos computadores aprender utilizando a experiência. Por outro lado, Edward Feigenbaum introduziu sistemas que imitavam o processo de tomada de decisão de experts humanos. Os sistemas de experts foram amplamente utilizados nas indústrias. O governo japonês, por exemplo, financiou sistemas de experts e outros empreendimentos relacionados coma IA como parte do seu Projeto de Computadores de Quinta Geração (FGCP). De 1982 a 1990, os japoneses investiram 400 milhões de dólares com os objetivos de revolucionar o processamento informático, implementar a programação lógica e melhorar a inteligência artificial (Turing; Copeland, 2004). Durante as décadas de 1990 e de 2000, muitos dos objetivos fundamentais da inteligência artificial foram alcançados. Em 1997, de modo surpreendente, o campeão mundial de xadrez Gary Kasparov foi derrotado pelo Deep Blue da IBM, um programa informático de jogo de xadrez. No mesmo ano, o software de reconhecimento da fala, desenvolvido pela Dragon Systems, foi implementado no Windows. Mesmo período em que foi criado por Cynthia Breazeal, Kismet, um robô apto a reconhecer e exibir emoções. A conhecida Lei de Moore, por sinal, parece estar correta, pois amemória e a velocidade dos computadores duplicam todos os anos. Para além da capacidade das máquinas, essa inequivocamente é a era dos grandes dados, da imensa quantidade de informações, na maioria das vezes pesados demais para um ser humano processar. Não se pode ignorar que a ciência da computação, a matemática, a neurociência, entre outras, servem como potenciais instrumentos

16 Inteligência Artificial e aquecimento global para que a própria Lei de Moore seja superada (Lufkin, 2017), já que não se trata de uma panaceia. A aplicação da inteligência artificial a este respeito mostrou avanços em vários setores industriais, tais como, entre outros(as), na tecnologia, no sistema bancário, no marketing, na medicina, no direito, no cinema e no entretenimento. Ainda que os algoritmos não melhorem muito, é perceptível que os grandes dados e a computação maciça permitem que a inteligência artificial aprenda por meio da repetição (Warwick, 2016). No atual cenário, em que o mundo enfrenta uma tripla crise planetária: a- da mudança climática; b- da perda da biodiversidade; c- e, do desperdício, é que a IA precisa ser avaliada dentro de uma perspectiva de um desenvolvimento ecologicamente sustentável.3 Há mais dados climáticos disponíveis do que nunca, mas a forma como esses dados são acessados, operados e interpretados é crucial para gerir tais crises.4 Sistemas e máquinas, que executam tarefas que tipicamente requerem inteligência humana, podemmelhorar de modo iterativo pelo seu uso constante. IA E O PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O AMBIENTE David Jensen, coordenador do subprograma de Transformação Digital do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), destaca várias áreas onde a IA pode desempenhar umpapel na abordagemdos desafios ambientais, desde a concepção de prédios sustentáveis do ponto de vista energético até o monitoramento do desmatamento, passando pela otimização do uso das energias eólica, solar, marítima, biomassa entre outras fontes renováveis.5 Tudo isso por ocorrer em uma escala ampliada que permite uma avaliação por satélite das emissões globais de gases de efeito estufa emuma análise macro, ou, em atividades mais pontuais e comezinhas, como o apagar 3 No sentido de umdesenvolvimento ecologicamente sustentável, ver: FOLADORI, Guillermo. Los Limites Del Desarrollo Sustentable. Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental / Revista Trabajo y Capital, 1999. 4 Sobre o tema inteligência artificial e direito, ver: FREITAS, Juarez; FREITAS, Thomas. Inteligência Artificial e Direito: emdefesa do humano. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2020. 5 Para um enfoque jurídico do tema, ver: GERRARD, Michael. The Law of Clean Energy. Efficiency and Renewables. New York: American Bar Association, 2011.

17 Gabriel Wedy e Patrícia Iglecias automático das luzes, das calefações e dos aparelhos de ar condicionado nos prédios inteligentes, após certos limites de consumo.6 O PNUMA criou recentemente uma Sala de Situação Ambiental Mundial (SSAM), que consiste numa plataforma digital que aproveita as capacidades da IA para analisar conjuntos de dados complexos e multifacetados. Apoiada por um consórcio de parceiros, a SSAM recolhe, agrega e dá visibilidade para os melhores dados disponíveis referentes ao planeta, com a utilização de sensores para informar análises em tempo real e previsões futuras sobre múltiplos fatores, incluindo a concentração atmosférica de gases de efeito estufa, alterações nas geleiras e o aumento do nível dos oceanos. A SSAM está sendo desenvolvida como uma plataforma de utilização democrática, que aproveita dados de escritórios governamentais, das salas de aulas (de universidades), dos parlamentos e das salas de reunião de empresas. O objetivo é a obtenção de dados precisos, fidedignos e independentes para informar decisões e promover a transparência. A SSAM, aos poucos, torna-se umcentro de controle de emissões para o planeta Terra, em que todos os indicadores ambientais vitais podem ser monitorados facilitando a organização das ações e das políticas públicas em defesa do meio ambiente. Uma das iniciativas lideradas pelo PNUMA, dentro do ecossistema digital SSAM, é o Observatório Internacional das Emissões de Metano (OIEM), que se vale da IA para o monitoramento e uma abordagem de mitigação das emissões de metano. A plataforma funciona como uma base de dados pública global de emissões verificadas empiricamente. A IA é direcionada para interligar a ciência, a transparência e a política, com a finalidade de informar decisões orientadas por dados. A tecnologia do OIEM permite recolher e integrar fluxos de dados de emissões para estabelecer um registro público global de emissões de metano (UNEP, 2022). Outra iniciativa de monitoramento ambiental que o PNUMA cofundou, em parceria com a IQAir, é a plataforma de monitoramento da poluição atmosférica GEMS. A IQAir agrega dados de mais de 25.000 estações demonitoramento da qualidade do ar emmais de 140 países e utiliza a IA para oferecer conhecimentos sobre o impacto da 6 Em relação ao emprego da inteligência artificial para a tutela domeio ambiente e administração da crise climática, ver: HARPOR, Desmond. Artificial Intelligence for Environmental Conservation: Tackling Climate Change. New York: Independently published, 2021; EASTERBROOK, Steve. Computing the Climate: How We Know What We Know About Climate Change. Cambridge: Cambridge University Press, 2023; VUPPALAPATI, Chandrasekar. Specialty Crops for Climate Change Adaptation: Strategies for Enhanced Food Security by Using Machine Learning and Artificial Intelligence. Heidelberg: Springer, 2023.

18 Inteligência Artificial e aquecimento global qualidade do ar em tempo real sobre as populações e ajuda a orientar políticas públicas de proteção da saúde humana (UNEP, 2022). A IA pode também calcular as pegadas ambientais e climáticas dos produtos, em todos os seus ciclos de vida e cadeias de fornecimento e assim permitir às empresas e aos consumidores tomarem as decisões mais informadas e eficientes possíveis. Embora os dados e a IA sejam necessários para um melhor controle ambiental, existe um custo ambiental para o processamento dos dados que precisa ser considerado e não pode ser ignorado. O setor das TIC gera entre 3% e 4% de emissões de gases de efeito estufa e os centros de dados utilizam grandes volumes de água para arrefecimento. O Plano de Ação CODES para um Planeta Sustentável na Era Digital, uma das iniciativas derivadas do Roteiro para a Cooperação Digital do Secretário-Geral da ONU, tem como objetivo solucionar justamente os problemas gerados por tal externalidade negativa (UNEP, 2022). O lixo eletrônico é outro passivo ambiental importante, apenas 17,4% são reciclados e eliminados de uma forma ambientalmente correta. Os resíduos eletrônicos, de acordo com o relatório da ONU Global E-waste Monitor, deverão atingir quase 75 milhões de toneladas métricas até 2030 (UNEP, 2022). Pesquisa do PNUMA constata que para evitar esses resíduos, os consumidores devem reduzir o consumo, reciclar os bens eletrônicos e reparar os que podem ser ainda utilizados. O PNUMA, por sinal, desenvolveu um roteiro de soluções para seis setores: a- Energia; b- Indústria; c- Agricultura e Alimentação; d- Florestas e Uso da Terra; e- Transportes; f- Edifícios e Cidades, com a finalidade de reduzir as emissões entre estes, em conformidade com os compromissos assumidos no Acordo de Paris (UNEP, 2022). IA, MITIGAÇÃO E ADAPTAÇÃO CLIMÁTICA Apesar dos esforços de mitigação do clima para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C, muitos peritos esperam que o mundo aqueça 3,5°C até à virada do próximo século, o que vai ocasionar o aumento das catástrofes e dos desastres climáticos,7 7 Sobre instrumentos jurídicos aptos a impedir ou reduzir os efeitos dos desastres climáticos, ver: SAMUEL, Katja L. H.; ARONSON-STORRIER, Marie; BOOKMILLER, Kirsten Nakjavani. The Cambridge Handbook of Disaster Risk Reduction and International Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.

19 Gabriel Wedy e Patrícia Iglecias com graves implicações humanas, sociais, ambientais, políticas e econômicas.8 A adaptação climática em escala e a mitigação das emissões de gases de efeito estufa são essenciais. A capacidade de adaptação aos eventos climáticos extremos, com a utilização de percepções climáticas acionáveis igualmente é fundamental para bem informar as decisões dos players públicos e privados. O uso da IA para as suas capacidades de estabelecer modelos climáticos precisa ser aprimorado. Pode-se observar, igualmente, maior inovação na IA centrada na mitigação climática, tal como o emprego desta para medir e reduzir as emissões. Esta inovação tem de ser aproveitada e desenvolvida para acelerar o uso desta tecnologia na obtenção de maiores conhecimentos sobre o clima. Isso significa que os governos e as empresas devem repensar radicalmente a sua abordagemà adaptação ao clima. A IA, igualmente, pode ser utilizada para construir a resiliência climática. Entre 3,3 e 3,6 bilhões de pessoas no globo vivem em zonas onde já ocorreram ou vão ocorrer um aumento significativo de catástrofes naturais e é provável que estes eventos extremos aumentem à medida que a crise climática se exacerbe (UNEP, 2022). Os desastres climáticos dos últimos anos, tais como secas, furacões, incêndios e inundações, deixam claro que a adaptação da sociedade aos riscos e perigos das alterações climáticas é uma difícil tarefa. O uso da IA, em uma civilização marcada pela alta complexidade tecnológica, científica, social, política e econômica, certamente é importante em virtude da sua capacidade de reunir, completar e analisar grandes conjuntos de dados. Pode ser aproveitada, por exemplo, para sistemas de alerta precoce e de modelação preditiva no longo prazo de eventos climáticos locais, capacitando os players a adotar uma abordagem orientada para os dados sobre a adaptação ao clima mais quente. A Destination Earth, liderada pela Agência Espacial Europeia, por exemplo, visa criar um modelo da Terra baseado na IA para monitorar e prever a interação entre fenômenos climáticos (como as secas) e as atividades humanas. A IA pode ser utilizada para previsão e prevenção de incêndios florestais. Ela permite o mapeamento interativo de áreas de alto risco e pode acompanhar o desenvolvimento do fogo em tempo real através de algoritmos, informando a melhor afetação de recursos e 8 Em relação as externalidades negativas das emissões de gases de efeito estufa, dentro de uma abordagem jurídica, ver: GERRARD, Michael; BURGER, Michael; FREEMAN, Jody. Global Climate Change and U.S Law. 3. ed. New York: American Bar Association, 2023.

20 Inteligência Artificial e aquecimento global estratégias para o combate ao mesmo e, também, no longo prazo, para a gestão sustentável das florestas. Como o custo global médio anual dos incêndios é de cerca de cinquenta bilhões de dólares, a IA pode tornar o combate aos incêndios mais eficiente e econômico. O Fórum Econômico Mundial, igualmente, implantou o FireAId, programa no qual estão sendo elaborados modelos reais de IA assim como a aplicação dos mesmos em vários países. Tal evolução recente no aproveitamento da IA para a adaptação climática tem o potencial de tornar os conhecimentos sobre o clima mais acessíveis a todos os interessados. O seu emprego apresenta maior relevância no Sul Global, com menos acesso à tecnologia, e com áreas de mais alto risco. Como tal, a IA tem o potencial de reduzir o desequilíbrio entre as necessidades de adaptação e o direito de acesso à tecnologia. Relevante, portanto, que seja reforçada a democratização e a participação, não discriminatória, no desenvolvimento da IA para a adaptação climática. As alterações climáticas são um fator de grande risco para a economia. Os efeitos financeiros do aquecimento global estão na escala de trilhões de dólares, se levarmos em consideração apenas a economia norte-americana. As companhias, por sua vez, enfrentam crescentes crises nas cadeias de abastecimento e na produção, fenômeno que possui tendência de aceleração nas próximas décadas. Os CEOs e líderes empresariais, outrossim, precisam se precaver das responsabilidades – civil, administrativa e criminal – pelos riscos assumidos em virtude das emissões das corporações. Essa tecnologia pode desempenhar um papel vital no aperfeiçoamento do sistema de responsabilização jurídica, detalhando as vulnerabilidades operacionais decorrentes das alterações climáticas. Ao recorrer às fontes de dados complexos emmapas visuais de risco, os CEOs podem ver como a dinâmica das alterações climáticas podem vir a afetar negativamente os bens das empresas. Entretanto, tal como acontece coma IA para adaptação climática para os governos, o acesso a tais ferramentas para as empresas precisa ser avaliado de modo crítico. As organizações que aproveitam todo o potencial dessa tecnologia para a adaptação ao clima são poucas e não trabalham em conjunto. É necessária maior colaboração internacional para o seu desenvolvimento contínuo, bem como para a acessibilidade a esta tecnologia para tornar os conhecimentos sobre adaptação climática acessíveis a todos os interessados. Estes são dois temas centrais emergentes nos quais a IA pode ser empregada para a adaptação climática. Muitas outras aplicações

21 Gabriel Wedy e Patrícia Iglecias promissoras estão surgindo, e precisam ser aceleradas para o atendimento dos objetivos do Acordo de Paris, tais como o uso de IA para responder aos riscos climáticos gerados aos produtos financeiros ou o uso da mesma para esforços humanitários preventivos. A IA para o uso na adaptação climática já existe, com a utilização de análises avançadas de dados. Para aproveitar o verdadeiro potencial desta tecnologia para a adaptação climática de forma responsável, tais como o uso de dados sintéticos e a modelização preditiva, a abordagem crítica deve ser utilizada coletivamente. Nos dias atuais a ampliação do uso da IA na adaptação climática é dificultado pelas seguintes barreiras: a- na compatibilidade de dados; b- no acesso a modelos existentes e novos de IA; c- na aprendizagem de máquinas (AM); d- no acesso a recursos computacionais para executar modelos complexos; e- para a realização de perícias técnicas; f- para a obtenção de conhecimentos acionáveis e de domínio; g- para a livre gestão e tomada de decisões políticas. A comunidade internacional pretende trabalhar em colaboração e colmatar lacunas de inovação para acelerar o uso responsável da IA para a adaptação climática em escala, reduzindo o risco de má adaptação. Para este fim, a Plataforma IA e AM do Fórum Econômico Mundial está a elaborar qual o papel que o próprio Fórum Econômico Mundial pode desempenhar para acelerar o uso da IA no combate às mudanças climáticas, tomando por base os quadros de governança fundados no consenso, em conjuntos de ferramentas e de casos de utilização das melhores práticas e técnicas disponíveis. A ideia é, com a utilização da IA demonstrar roteiros e abordagens compatíveis com a modelização climática, utilizando-se de dados consistentes, para que as instituições dos setores público e privado possam bem avaliar os impactos social, econômico e ambiental das mudanças do clima (Bergh, 2022). A inflação é outra chaga da economia global que se ampliou nos últimos anos devido as alterações climáticas. De fato, a crescente frequência e a gravidade dos eventos climáticos extremos fazem subir os preços de tudo o que é fundamental para suprir as necessidades básicas das pessoas. A IA, como mencionado anteriormente, pode ajudar no combate as alterações climáticas, reduzindo as emissões, melhorando a eficiência energética, e aumentando a utilização de fontes de energias renováveis.9 Por conseguinte, a Transição Verde, igualmente, é 9 É de se referir que Bill Gates entende que o combate a aquecimento global pode valer-se da inteligência artificial e deve ampliar a produção de energias reno-

22 Inteligência Artificial e aquecimento global um pilar no combate à inflação, e a IA é uma ferramenta importante para que este esforço alcance pleno êxito dentro de uma visão de macroeconomia. O relatório de 2022 BCG Climate AI Survey, como já referido, demonstra que 87% dos CEOs dos setores privado e público com poder de decisão sobre a IA e o clima acreditam que esta é uma ferramenta essencial na luta contra as mudanças climáticas. Entretanto, apenas 43% têm uma visão concreta de como a IA pode ser usada para o combate as mudanças climáticas. Existem vários modos pelos quais esta inteligência pode contribuir para a mitigação das mudanças climáticas, por exemplo, por meio da eficiência energética ou da redução das emissões dos transportes, da agricultura e da indústria (Bergh, 2022). A IA pode também ajudar na adaptação aos impactos das mudanças climáticas, melhorando a capacidade dos gestores fazerem previsões de eventos climáticos extremos e, ainda, fornecer ferramentas de apoio às decisões para auxiliar a responder de forma mais eficiente às catástrofes e aos desastres ambientais. A IA contribui igualmente para o aumento da resiliência aos efeitos do aquecimento global, auxiliando os governos e as empresas a identificarem fatores de risco e desenvolverem planos de mitigação. As grandes lideranças dos setores público e privado reconhecem como um negócio de grande valor a redução das emissões e a necessária medição das mesmas. Existem grandes desafios na sua utilização: não se trata de potencializar a IA, mas saber utilizá-la e onde aplicá-la. Numa futura economia descarbonizada, há oportunidades inexploradas de ação, o que reforça a necessidade de maior governança corporativa, compliance climático e estratégia sobre como ampliar o impacto da IA no combate aos nefastos efeitos do aquecimento do Planeta. A dita IA climática é vital para subsidiar o debate humano sobre os investimentos e sobre a inovação para a descarbonização profunda da economia.10 Além disso, a IA pode promover uma ruptura com a dependência excessiva da economia mundial em relação aos combustíveis fósseis, e trazer elementos importantes para soluções váveis, assim como a descoberta de novas tecnologias que possam diminuir as emissões de gases de efeito estufa e também capturar as emissões de gases de efeito estufa, especialmente até 2050 (GATES, Bill. How to Avoid a Climate Disasters: The Solutions We have and Breakthroughs We Ned. New York: Knopf, 2021. p. 46). 10 A respeito dos caminhos jurídicos para a descarbonização da economia no Brasil, ver: PIMENTEL, Cácia; ROLIM, Maria João Carreiro Pereira (coord.). Caminhos jurídicos e regulatórios para a descarbonização no Brasil. 1. reimpressão. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2022.

23 Gabriel Wedy e Patrícia Iglecias inovadoras. Nesse sentido, pode melhorar a governança climática, aumentando os níveis de transparência e proporcionando ganhos de produção e de melhoria no armazenamento eficiente de energia renovável, o que aumenta a confiança no mercado verde para grandes investimentos no setor. O Quadro para a Utilização de IA no Combate às Mudanças Climáticas, desenvolvido pelo Boston Consulting Group (BCG), para o último Relatório IA para o Planeta, contou com a contribuição de experts sobre a IA em seu chamado Conselho Consultivo do Planeta. O quadro compreende três temas principais: mitigação, adaptação e resiliência. A mitigação e os fundamentos são essenciais para os esforços de combate às mudanças climáticas, enquanto a adaptação e a resiliência são necessárias para garantir que as pessoas e a economia possam resistir aos efeitos das alterações climáticas atualmente. A resiliência exigirá uma visão de mundo sustentável, de longo prazo, intergeracional, ao nível dos sistemas e a utilização da IA para a identificação de riscos, vulnerabilidades e potenciais crises quando se trata de mudanças climáticas. Importante desenvolver as capacidades para responder rapidamente a tais ameaças e criar uma arquitetura de gestão climática eficiente e resiliente. Evidentemente que a IA não pode ser usada para resolver a crise climática de forma isolada. Mas pode auxiliar os gestores públicos e privados nos processos de tomada de decisão combinados com outras técnicas como a Análise do Custo-Benefício (Cost-Benefit Analyses) (Sunstein, 2021, p. 45-52) e, igualmente, com a utilização de outras tecnologias emergentes. Todavia, ao fim e ao cabo, até para evitar equívocos com base em vieses que a IA não está imune11, será a mente humana, a vontade do ser humano, que deve prevalecer nas ações para o combate ao aquecimento global. A IA não é uma varinha mágica para o combate aos problemas sociais, econômicos e ambientais, mas uma ferramenta que pode ser utilizada para a construção de um futuro mais resiliente e que propicie uma adequada qualidade de vida para os seres humanos e não humanos. Como se observa, a evolução da ciência, levou a um grande avanço da IA no que se refere ao aprendizado da mesma sobre o sistema climático. No passado, a adaptação era muitas vezes pensada como algo realizado após o fato, sem redundância, em resposta a 11 Sobre os efeitos nefastos dos vieses que também podem atingir a IA, ver: KAHNEMAN, Daniel. Thinking, Fast and Slow. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2011; SUNSTEIN, Cass; HASTIE, Reid. Wiser. Getting Beyound Groupthink to Make Groups Smarter. Cambridge: Harvard Business Review Press, 2015.

24 Inteligência Artificial e aquecimento global um evento já ocorrido e consumado. Todavia, com a ampliação da gravidade e frequência dos eventos climáticos extremos, torna-se evidente a imperatividade de uma abordagem proativa de adaptação. Mister a antecipação, com base nos princípios da precaução e da prevenção12, aos impactos potenciais das alterações climáticas, assim como a adoção das medidas de mitigação a serem efetivadas antes que eles ocorram. A essencialidade de tais medidas preventivas resta demostrada pela necessidade de assegurar-se a resiliência das comunidades vulneráveis e da economia e a proteção das minorias que vivem em locais e construções inadequadas para o enfrentamento de extremos climáticos.13 A IA pode auxiliar a acelerar políticas climáticas de mitigação, de adaptação e de resiliência, fornecendo as ferramentas e os dados necessários para umprocesso de tomada de decisões bem informado e, se espera, não discriminatório. A parte de Mitigação do Quadro para a Utilização de IA no Combate às Alterações Climáticas é uma combinação de medição nos níveis macro e micro, (redução da intensidade das emissões de GEE, melhoria da eficiência energética e redução do efeito estufa) bem como a remoção (remoção ambiental e remoção tecnológica). Na medição em nível macro, as emissões ambientais globais são um componente crucial dos modelos que projetam o clima para o futuro. A IA pode aperfeiçoar tais modelos melhorando medidas ou digitalizando dados de teledetecção de satélites para uma análise mais aprofundada. Na medição em micronível, os produtores podem utilizar medições de emissões para compreender as pegadas de carbono dos seus produtos, acompanhar o seu progresso emdireção aos objetivos de ESG, ou identificar oportunidades para reduzir as emissões. Os consumidores podem utilizar tais informações para fazer melhores escolhas sobre os produtos que adquirem e as suas ações para reduzir as emissões. A emergência climática global exige esforços acelerados para reduzir os efeitos deletérios das emissões. Medidas de mitigação imediatas e mais ambiciosas são essenciais para evitar as consequências catastróficas das alterações climáticas. Existem três com12 Em relação a aplicação do princípio da precaução em tempos de aquecimento global, ver: WEDY, Gabriel. O princípio constitucional da precaução: como instrumento de tutela do meio ambiente e da saúde pública (de acordo com o Direito das Mudanças Climáticas e o Direito dos Desastres). 3. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2020. 13 A respeito das minorias como maiores vítimas das mudanças climáticas, ver: WILLIANS, Jeremy. Climate Change Is Racist: Race, Privilege and the Struggle for Climate Justice. London: Icon Books, 2021; FARBER, Daniel. Disaster Law and Inequality. Law and Inequality, Minneapolis, v. 25, n. 2, p. 297-322, 2007.

25 Gabriel Wedy e Patrícia Iglecias ponentes para a adoção dessas medidas: a- Redução da intensidade das emissões de GEE: As soluções de IA são utilizadas para apoiar a mudança para novas fontes de energia. A previsão do fornecimento de energia solar auxilia para identificar áreas onde existe potencial para aumentar a sua utilização, reduzindo assim as emissões de gases de efeito estufa; b- Redução de atividades geradoras de emissões. A IA pode também reduzir emissões otimizando as cadeias de abastecimento, com uma melhor previsão da procura ou do transporte eficiente de mercadorias. Isto pode ser feito utilizando dados para gerarmodelos que façama busca ou otimizemas rotas de transporte; c- Redução dos gases de efeito de estufa: Se os tomadores de decisão voltarem-se para soluções de geoengenharia para reduzir os efeitos das alterações climáticas, a IA será uma ferramenta essencial para acelerar a investigação química e pode auxiliar no desenvolvimento de novos materiais e processos que resultem em menos emissões de gases de efeito estufa. Desse modo haverá um encorajamento da mudança comportamental na sociedade, um nudge14, para a redução do consumo de energia e para a diminuição das emissões. A remoção de gases com efeito de estufa na atmosfera é uma forma de mitigar as alterações climáticas, que tanto pode ocorrer por processos naturais, tais como o aumento da fotossíntese por árvores, ou por meios tecnológicos, tais como a captura e o armazenamento do carbono. Existem dois tipos principais de remoção: a- Remoção ambiental: Os ecossistemas naturais, tais como florestas, algas e zonas úmidas, essenciais na remoção do carbono atmosférico. A monitorização destes ecossistemas requer o recolhimento e o processamento de grandes quantidades de dados, papel que a IA pode desempenhar com grande eficiência; b- Remoção tecnológica: A remoção ambiental pode ser complementada com processos industriais, mas esses processos ainda estão no seu início, enfrentando problemas de escala e do seu conhecido alto custo. A IA, igualmente, seria uma forte aliada na solução destas questões. Importante também observar como a IA relaciona-se com a adaptação e a resiliência. Nesse cenário, é relevante a projeção de tendências localizadas a longo prazo, com a finalidade de antecipar os impactos potenciais das alterações climáticas. É de se questionar: qual é a probabilidade de ocorrência de uma seca significativa numa determinada região durante os próximos vinte anos? Quais são os 14 A respeito dos incentivos para mudanças comportamentais, ver: SUNSTEIN, Cass; THALER, Richard. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Happiness. New Haven: Yale University Press, 2008.

26 Inteligência Artificial e aquecimento global impactos potenciais dessa seca na agricultura, no abastecimento de água e na saúde humana? A IA pode auxiliar nas respostas para estas perguntas com a análise de dados históricos e com a previsão de tendências futuras. Além de prever tendências no longo prazo, a IA pode também ajudar a construir sistemas de alerta precoce que podem fornecer avisos, emtempo, sobre eventos futuros. Por exemplo, ao analisar dados de estações meteorológicas, imagens de satélite e redes de sensores, é possível identificar condições que levam a eventos meteorológicos extremos. Tais sistemas de alerta precoce podem permitir a adoção pelos seres humanos de medidas para mitigar os impactos destes eventos antes que estes ocorram. De acordo com Relatório do FórumEconômico Mundial, a IA pode ajudar o mundo a combater os incêndios, desempenhando o relevante papel de prevenir sua ocorrência, utilizando fontes de dados como imagens de satélite, dados meteorológicos em tempo real, e a consulta a postos de comunicação social para desenvolver uma melhor detecção e algoritmos de propagação de fogo. Uma estrutura inteligente integrando todos estes sistemas é necessária para construir ummapa dinâmico de risco de incêndio comuma simulação interativa de propagação de incêndios. Uma vez ocorrido um evento climático extremo, a IA auxilia na administração de crises, fornecendo ferramentas de apoio à decisão humana. Esta pode ser utilizada para identificar pessoas em risco de serem afetadas pelo evento e combinar esta informação com uma sugestão dos recursos materiais de que estas necessitam. A IA pode também monitorar a situação em tempo real e fornecer informações sobre a localização das pessoas, condições de infraestrutura e o estado dos esforços de socorro em um desastre climático. Sistemas de irrigação inteligentes que utilizam dados meteorológicos e sensores de plantas para otimizar os horários de rega podem ajudar a reduzir os impactos da seca. Defesas contra inundações ativadas por IA que utilizam dados em tempo real sobre precipitações, níveis dos rios e elevação da terra podem ajudar a proteger comunidades contra inundações. E edifícios inteligentes que utilizam dados de sensores para ajustar aquecimento, arrefecimento e ventilação podem ajudar a poupar energia e a reduzir emissões.15 De acordo com um resumo de projeto da ONU, os Gráficos de Conhecimento podem armazenar e raciocinar sobre grandes quantidades de 15 Sobre construções sustentáveis e eficientes e a sua regulação, ver: GERRARD, Michael; HOWE, Jay Cullen. The Law of Green Buildings: Regulatory and Legal Issues in Design, Construction, Operations, and Financing. New York: New York Bar Association, 2011.

27 Gabriel Wedy e Patrícia Iglecias dados para ajudar a identificar padrões, correlações e dependências que de outra forma estariam ocultos em conjuntos de dados complexos e podem, igualmente, em última análise, analisar os impactos das inundações, das secas e de outros eventos meteorológicos extremos, o que permite a resiliência no enfrentamento ao aquecimento global. Amigração emgrande escala é outro dos impactos potenciais das alterações climáticas. A IA pode auxiliar na sua gestão para a tomada de decisões políticas, fornecendo ferramentas de apoio à decisão para administrar os campos de refugiados, seguir os migrantes e coordenar os esforços de socorro. Os sistemas de identificação de espécies que utilizam a aprendizagem mecânica podem ajudar a localizar e proteger seres vivos ameaçados de extinção. Já os sistemas de monitoramento ativados por IA que utilizam imagens de satélite e dados de sensores podemdetectar o corte ilegal de árvores, a caça furtiva e outras atividades que ameaçam a biodiversidade. EMPRESAS, INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E MUDANÇAS CLIMÁTICAS De acordo com a Diretora da UNESCO para Parcerias e Programa Operacional de Monitorização, Comunicação e Informação do Setor e membro do grupo diretor da AI para o Planeta, Marielza Oliveira: Não é possível enfrentar a nossa crise climática urgente e devastadora com soluções antigas. Temos de acrescentar uma tremenda quantidade de inovação à mistura. A Inteligência Artificial pode ajudar-nos a encontrar oportunidades para mudar a nossa dinâmica atual a uma escala suficientemente grande para um impacto rápido. Implementada de uma forma centrada no ser humano, responsável e ética, a IA é um acelerador para o desenvolvimento sustentável. Todos os dias, vejo o poder transformador da IA para o planeta em ação, desde permitir às empresas minimizar as emissões de carbono em toda a sua cadeia de valor, até ajudar os governos a prever e responder eficazmente aos padrões climáticos que afetam as comunidades costeiras vulneráveis. Isto é o que precisamos: todos os cérebros no convés”! (Minevich, 2022).

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