Dos possíveis riscos das nanotecnologias à sua gestão jurídica

Casa Leiria

Esta cartilha é resultado da pesquisa e das relações interinstitucionais produzidas no âmbito do projeto de investigação científica “Os riscos ambientais das nanotecnologias: redesenhando o direito e informando a sociedade”. FundaçãodeAmparoàPesquisado EstadodoRioGrandedo Sul - FAPERGS. Processo n.º 21/2551-0000747-8 Edital 10/2020 - Auxílio Recém Doutor.

Juliane Altmann Berwig Casa Leiria São Leopoldo - RS 2023 Dos possíveis riscos das nanotecnologias à sua gestão jurídica

Dos possíveis riscos das nanotecnologias à sua gestão jurídica Juliane Altmann Berwig É permitida a reprodução total ou parcial de qualquer parte desta cartilha, desde que seja citada a fonte. Ficha catalográfica Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB: 10/973 Berwig, Juliane Altmann B553d Dos possíveis riscos das nanotecnologias à sua gestão jurídica [recurso eletrônico] / por Juliane Altmann Berwig. - São Leopoldo: Casa Leiria, 2023. Disponível em: <http://www.guaritadigital.com.br/casaleiria/ acervo/direito/cartilhanano/index.html> ISBN 978-85-9509-086-6 1. Direito – Nanotecnologia. 2. Nanotecnologia – Direito ambiental. 3. Nanotecnologia – Riscos ambientais – Gestão. I. Título. CDU 34:66-965

JULIANE ALTMANN BERWIG 5 Dos possíveis riscos das nanotecnologias à sua gestão jurídica Aproximadamente 10.4161 produtos que incorporam as nanotecnologias já estão sendo comercializados. Este número pode ser ainda maior, tendo em conta que as nanotecnologias ainda não possuem regulamentação em nível internacional e nacional.2 1 NANOTECHNOLOGY PRODUCTS DATABASE (NPD). Source of information about nanotechnology products. Disponível em: http://product.statnano.com/. Acesso em: 15 dez. 2022. 2 BERWIG, Juliane Altmann; ENGELMANN, Wilson. A Nanotecnologia: do fascínio ao risco. In: ENGELMANN, Wilson; HUPFFER, Haide Maria (org.). Impactos Sociais e Jurídicos das Nanotecnologias. São Leopoldo: Casa Leiria, 2017. p. 39-74. Livro disponível em e-book.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 6 É sabido que as nanotecnologias são uma ciência em franca expansão, que alcançou enormes conquistas significativas apenas por curtas dúzias de anos e criou riquezas para os seres humanos. Seus usos na segurança ambiental ainda estão sendo ignorados pelo público, no entanto, evidências têm sido demonstradas de que os nanomateriais irão exercer influências em uma variedade de organismos no meio ambiente. Os nanomateriais inevitavelmente atingem os seres humanos e os demais organismos ao serem descarregados no meio ambiente. No entanto, ainda não existem sistemas totalmente abrangentes que possam ser estabelecidos para avaliar com clareza a toxicidade no meio ambiente. Ou seja, a avaliação dos riscos para os nanomateriais no ambiente natural não é uma tarefa fácil, mas as abordagens devem ser melhoradas nos campos de caracterização, detecção da morfologia das partículas e os métodos de rastreamento para o destino destas. 3 3 YAO, Duoxi et al. Limitation and challenge faced to the researches on environmental risk of nanotechnology. Environmental Sciences, v. 18, p. 149-156, 2013. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/ article/pii/S1878029613001527. Acesso em: 29 jan. 2023.

JULIANE ALTMANN BERWIG 7 A nanotecnologia está “avançando rapidamente sem que se tenha uma certeza científica sobre a segurança das nanopartículas e sem que a área jurídica tenha construído marco regulatório específico”.4 Para tanto, o desenvolvimento do conhecimento sobre os seus riscos e a forma de gestão é imprescindível. Ademais, não se sabe o suficiente sobre os efeitos a longo prazo desses materiais na saúde humana e ao meio ambiente.5 Os riscos dos nanomateriais “não são completamente conhecidos, uma vez que não são conhecidas suas extensões e capacidades para gerar danos”, bem como estão presentes desde a sua fabricação até a sua utilização, ou seja, em todo o ciclo de vida do produto.6 4 HOHENDORFF, Raquel Von. Nanotecnologias e o safe by design: buscando alternativas para a gestão dos riscos. Revista de Direito da Empresa e dos Negócios. v. 2, n. 1, p. 90-111, jan./jun. 2018. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/rden/article/view/17627/60746505. Acesso em: 20 jan. 2023. 5 PROGRAMA DE LAS NACIONES UNIDAS PARA EL MEDIO AMBIENTE. Fronteras 2017: Nuevos temas de interés ambiental, 2017. Disponível em: https://www.toxicologia.org.ar/wp-content/uploads/2017/12/Fron tiers_2017.pdf. Acesso em: 19 mar. 2018. 6 MORISSO, Fernando Dal Pont; JAHNO Vanusca Dalosto. Nanociência e nanotecnologia: um rompimento de paradigmas. In: ENGELMANN, Wilson, HUPFFER, Haide Maria (org.). Impactos Sociais e Jurídicos das Nanotecnologias. São Leopoldo: Casa Leiria, 2017. p. 13-37. Livro disponível em e-book.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 8 A figura a seguir demonstra de forma fictícia os possíveis percursos que as nanopartículas estão e poderão percorrer, bem como as factíveis exposições ambientais e, consequentemente, humanas. Logo, “tão importante quanto o desenvolvimento da nanotecnologia é o desenvolvimento da nanotoxicologia, pois necessário conhecer os materiais e seus efeitos para que se possa ter um desenvolvimento tecnológico sustentável e não nocivo”.7 7 MORISSO, Fernando Dal Pont; JAHNO, Vanusca Dalosto. Nanociência e nanotecnologia: um rompimento de paradigmas. In: ENGELMANN, Wilson, HUPFFER, Haide Maria (org.). Impactos Sociais e Jurídicos das Nanotecnologias. São Leopoldo: Casa Leiria, 2017. p. 13-37. Livro disponível em E-book.

JULIANE ALTMANN BERWIG 9 Figura 1 - Possibilidades de exposição e rotas das nanopartículas de nanotubos diante das atuais e futuras aplicações Fonte: Royal Society.8 8 THE ROYAL SOCIETY; THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING. Nanoscience and nanotechnologies: opportunities and uncertainties. Londres: The Royal Society, 2004. Disponível em: https://royalsociety.org/~/me dia/Royal_Society_Content/policy/publications/2004/9693.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 10 Pesquisadores dos riscos ambientais das nanotecnologias apontam que o principal problema é o método de análise das nanopartículas. Novos nanomateriais são gradualmente desenvolvidos, no entanto, os materiais variam de acordo com a forma e tamanho que são fatores importantes na determinação da sua toxicidade. Falta de informação e métodos de caracterização dos nanomateriais torna extremamente difícil detectar as nanopartículas no ar para proteção ambiental, por exemplo. Além disso, a informação da estrutura química é um fator crítico para determinar quão tóxico o nanomaterial é, e pequenas alterações do grupo de funções químicas podem mudar drasticamente suas propriedades. Por isso, a avaliação completa do risco da segurança na saúde humana e no impacto ambiental deve ocorrer em todas as fases das nanotecnologias. Incluindo o risco de exposição, análise toxicológica, risco de transporte, risco de persistência, risco de transformação e capacidade de reciclar. Ademais, um design experimental antes de fabricar um produto baseado em nanotecnologia pode contribuir para reduzir o desperdício de material no seu processo produtivo e, ao final, de sua vida útil.9 9 ZHANG, Bangwei et al. Environmental Impacts of Nanotechnology and Its Products. In: Proceedings of the 2011 Midwest Section Conference of the American Society for Engineering Education. Disponível em: https://www. asee.org/documents/sections/midwest/2011/ASEE-MIDWEST_0030_c25dbf.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.

JULIANE ALTMANN BERWIG 11 Atualmente, é importante frisar que a fabricação e a pesquisa em laboratório funcionam sem orientação de segurança adequada ou medidas de proteção. Ao mesmo tempo, os consumidores estão sendo, involuntariamente, expostos a nanomateriais em seus ingredientes, pois não são identificados nos rótulos os riscos potenciais. Também, estão sendo descartados nanomateriais no meio ambiente, mesmo quando desconhecidos os impactos ou danos que poderão causar. Os governos e a indústria da nanotecnologia oferecem poucas oportunidades para a participação pública, a qual seria essencial para informar a população e inteirá-la das discussões e decisões sobre “como” e “se” deve-se prosseguir com o “nanomundo”.10 10 INTERNATIONAL CENTER FOR TECHNOLOGY ASSESSMENT (ICTA). NANOACTION PROJECT. Principles for the Oversight of Nanotechnologies and Nanomaterials. Washington, EUA: ICTA, 2012. Disponível em: http:// www.icta.org/files/2012/04/080112_ICTA_rev1.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 12 Diante disso, o que chama a atenção da “academia” é que em menos de uma década, as nanotecnologias desenvolveram-se exponencialmente, mesmo tendo em conta a obscuridade das suas propriedades no estreito campo científico, econômico e público.11 Ao mesmo tempo, a preocupação dos riscos das nanotecnologias é severa, haja vista que, em escala nano os efeitos ambientais dos materiais podem ser diferentes, seja em razão dos nanomateriais possuírem uma área superficial relativamente maior quando comparada à massa de material produzido em escala tradicional, seja pela possibilidade de torná-los quimicamente reativos, quando na forma macro são inertes. Além disso, os efeitos quânticos podem dominar o comportamento da matéria na nanoescala afetando o comportamento óptico, elétrico e magnético dos materiais.12 11 ABBOTT, Kenneth; MARCHANT, Gary; SYLVESTER, Douglas. Transnational Regulation of Nanotechnology: Reality or Romanticism? In: ELGAR, Edward (org.). International Handbook on Regulating Nanotechnologies. Forthcoming, 2009. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=1424697. Acesso em: 20 jan. 2023. 12 THE ROYAL SOCIETY; THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING. Nanoscience and nanotechnologies: opportunities and uncertainties. Londres: The Royal Society, 2004. Disponível em: https://royalsociety.org/~/me dia/Royal_Society_Content/policy/publications/2004/9693.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.

JULIANE ALTMANN BERWIG 13 Este efeito pode ser observado com o ouro, material praticamente inerte, todavia, em formato de nanopartículas é altamente reativo.13 Paschoalino, Marcone e Jardim defendem a discussão sobre os efeitos ambientais das nanotecnologias: A reflexão a respeito desta questão é bastante pertinente, uma vez que, além das inúmeras perspectivas oriundas do desenvolvimento de uma gama de novos materiais, há o potencial risco de contaminação ambiental dadas as características intrínsecas das nanopartículas, como tamanho, área superficial e a capacidade de aglomeração/dispersão, as quais podem facilitar a translocação destas pelos compartimentos ambientais e ocasionar, de forma acumulativa, danos à cadeia alimentar. Estes aspectos justificam a importância da investigação sobre a disponibilidade, degradabilidade e toxicidade dos nanomateriais.14 13 PASCHOALINO, Matheus et al. Os nanomateriais e a questão ambiental. Revista Química Nova, v. 33, n.2, p. 421-430, 2010. Disponível em: http://static.sites.sbq.org.br/quimicanova.sbq.org.br/pdf/Vol33No2_421_ 32-RV09047.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023. 14 PASCHOALINO, Matheus et al. Os nanomateriais e a questão ambiental. Revista Química Nova, v. 33, n.2, p. 421-430, 2010. Disponível em: http://static.sites.sbq.org.br/quimicanova.sbq.org.br/pdf/Vol33No2_421_ 32-RV09047.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 14 Inúmeras pesquisas apontam que os nanomateriais pela dimensão 10-9 podem ter uma permeabilidade através da pele, mucosas e membranas celulares, causando um efeito tóxico magnificado. Logo, uma das características que devem ser observadas o tamanho das nanopartículas é de suma importância “partículas aéreas maiores que 2,5 micrometros de qualquer natureza tendem a ficarem retidas no nariz e na garganta, enquanto partículas menores tendem a seguir para vias aéreas mais internas”. Diante disso, “partículas com dimensão tal que possam chegar ao sistema alveolar no pulmão podem, com certa facilidade, permear os tecidos e cair na corrente sanguínea e daí chegar a diversos órgãos, como fígado, rins, baçoecoração, para então atuar de forma danosa”.15 15 MORISSO, Fernando Dal Pont; JAHNO, Vanusca Dalosto. Nanociência e nanotecnologia: um rompimento de paradigmas. In: ENGELMANN, Wilson, HUPFFER, Haide Maria (org.). Impactos Sociais e Jurídicos das Nanotecnologias. São Leopoldo: Casa Leiria, 2017. p. 13-37. Livro disponível em E-book.

JULIANE ALTMANN BERWIG 15 Além disso, as nanopartículas após o contato com o ambiente ou os organismos vivos, pode estar em sua forma livre ou aglomerada. Este processo é dinâmico e inicialmente imperceptível e também pode ser acompanhado pela funcionalização da superfície destas por diferentes agrupamentos químicos presentes no meio.16 Neste sentido, diantedas pesquisas já realizadas é importanteelencar alguns dos possíveis danos ambientais decorrentes das nanotecnologias: i. Alta exigência de energia para sintetizar nanopartículas causando um aumento pela demanda de energia; ii. Disseminação de nanossubstâncias tóxicas e persistentes gerando danos ambientais; iii. Menores taxas de recuperação e reciclagem; iv. Implicações ambientais nos estágios do ciclo de vida dos produtos com nanotecnologias são em sua maioria desconhecidos; 16 PASCHOALINO, Matheus et al. Os nanomateriais e a questão ambiental. Revista Química Nova, v. 33, n. 2, p. 421-430, 2010. Disponível em: http://static.sites.sbq.org.br/quimicanova.sbq.org.br/pdf/Vol 33No2_421_32-RV09047.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 16 v. Falta de engenheiros e trabalhadores treinados. vi. Inclusive, o grafeno tem propriedades notáveis e​ seus produtos podem beneficiar o meio ambiente e a economia, todavia, compósitos baseados em grafeno também podem prejudicar o meio ambiente de outras maneiras: vii. A propriedade tóxica do grafeno é desconhecida e, na sua ocorrência a descontaminação do local é difícil; viii. O grafeno pode reagir com materiais e sistemas biológicos no ambiente de uma forma que é ainda imprevista; ix. O grafeno tem uma boa condutividade térmica e retardante de fogo em polímero, no entanto, os cientistas alertam que isso pode causar risco de incêndio se o grafeno estiver contaminado com outras substâncias durante o processo.17 17 ZHANG, Bangwei et al. Environmental Impacts of Nanotechnology and Its Products. In: Proceedings of the 2011 Midwest Section Conference of the American Society for Engineering Education. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/R-Asmatulu/publication/268049739_Environmental_Impacts_of_Na notechnology_and_Its_Products/links/584e06c908aeb98925264cba/Environmental-Impacts-of-Nanotech nology-and-Its-Products.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.

JULIANE ALTMANN BERWIG 17 No mesmo caminho, um estudo realizado pelo Department of Applied Science and Nanotechnology Center, University of Arkansas comprovou por métodos analíticos que os nanotubos de carbono são capazes de penetrar no revestimento de semente, um processo que pode afetar a germinação das sementes e o crescimento de mudas de tomate. No mesmo sentido, a U. K. Royal Society recomendou que “a liberação de nanopartículas e nanotubos no meio ambiente seja evitada” e sugeriu que “as fábricas e os laboratórios de pesquisa encarem as nanopartículas fabricadas e nanotubos como perigosos” a fim de objetivar reduzir ou remover os seus resíduos.18 18 INTERNATIONAL CENTER FOR TECHNOLOGY ASSESSMENT (ICTA). NANOACTION PROJECT. Principles for the Oversight of Nanotechnologies and Nanomaterials. Washington, EUA: ICTA, 2012. Disponível em: http:// www.icta.org/files/2012/04/080112_ICTA_rev1.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 18 Outro estudo sobre os efeitos dos nanomateriais de carbono sobre brânquias de peixes Cyprinus carpio (Cyprinidae) expostos à radiação ultravioleta, demonstrou que os nanomateriais quando em contato com os órgãos de peixes, como brânquias em uma solução fisiológica salina, podem ser potencialmente prejudiciais a ambientes aquáticos, todavia os mecanismos de toxicidade muito complexos e até o momento pouco compreendidos.19 Assim, os “micro-organismos, como bactérias e os protozoários, podem levar nanopartículas através de membranas celulares, e assim permitir que as partículas entrem em uma cadeia alimentar biológica,” para tanto pensar na cadeia atingida pelas nanopartículas é de suma relevância.20 19 SOCOOWSKI, Britto et al. Effects of carbon nanomaterials fullerene C60 and fullerol C60(OH)18_22 on gills of fish Cyprinus carpio (Cyprinidae) exposed to ultraviolet radiation. Aquatic Toxicology, v.15, p. 114-115, 2012. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22417764. Acesso em: 20 jan. 2023. 20 MORISSO, Fernando Dal Pont; JAHNO, Vanusca Dalosto. Nanociência e nanotecnologia: um rompimento de paradigmas. In: ENGELMANN, Wilson, HUPFFER, Haide Maria (org.). Impactos Sociais e Jurídicos das Nanotecnologias. São Leopoldo: Casa Leiria, 2017. p. 13-37. Livro disponível em E-book.

JULIANE ALTMANN BERWIG 19 De acordo com a equipe de pesquisadores das universidades de Pittsburgh e Yale, nos EUA, “quando materiais sintéticos são projetados sem informações críticas sobre seus impactos ambientais desde o início do processo, seus efeitos a longo prazo podem prejudicar esses avanços ou fazer com que o que se acreditava serem avanços se tornem problemas”. O grupo traçou uma estratégia para fornecer aos cientistas de materiais as ferramentas necessárias para realizar as avaliações de maneira eficiente desde o início do processo de design. Com isso, dentre os milhares de materiais já conhecidos ou que aguardam para ser descobertos, poderão ser selecionados aqueles com menor risco de impacto à saúde e ao ambiente.21 21 INOVAÇÃO TECNOLÓGICA. Perigos da nanotecnologia devem ser avaliados desde o princípio Redação do Site Inovação Tecnológica, 16 jul. 2018. Disponível em: https://www.inovacaotecnologica.com.br/noti cias/noticia.php?artigo=perigos-nanotecnologia-devem-avaliados-desde-principio&id=010125180716&e bol=sim#.Y9UcMnbMJHZ. Acesso em: 20 jan. 2023.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 20 Os nanomateriais à base de carbono, que, podem se dispersar fortemente nos compostos hidrofóbicos celulares, tais como lipídios, em relação à água, resultando em uma bioconcentração potencialmente significativa, apontam pesquisas. Em uma escala global as nanopartículas também devem ser consideradas, tais como em relação a atmosfera, induzindo transformações orgânicas, reações e outras tantas que ainda são desconhecidas.22 Também, Renata Behra, para o National Research Programme, examinou como microrganismos aquáticos (bactérias, algas, fungos e caracóis minúsculos) lidam com a nanoprata. Ela observou indícios de que as partículas têm um efeito prejudicial sobre a biodiversidade destes microrganismos, que são vitais para o ecossistema.23 22 GUZMÁN, Katherine A.; TAYLOR, Margaret R.; BANFIELD, Jillian F. Environmental risks of nanotechnology: National nanotechnology initiative funding. Environmental Science & Technololy. v. 40, n. 5, p. 1401-1407, 2006. Disponível em: http://pubs.acs.org/doi/pdf/10.1021/es0515708. Acesso em: 20 jan. 2023. 23 NATIONAL RESEARCH PROGRAMME (NRP 64). Opportunities and Risks of Nanomaterials. Berna, Suíça: NRP 64, 2016. Disponível em: http://www.nrp64.ch/SiteCollectionDocuments/Final_Brochure_NRP64_E.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.

JULIANE ALTMANN BERWIG 21 Durante o desenvolvimento de um nanomaterial é provável que este seja produzido sob condições rigorosamente controladas. Todavia, a partir da movimentação deste material, com as exposições comerciais, este nanomaterial se integra ao produto, às embalagens, sendo transportado e posteriormente armazenado. Nestas circunstâncias, as quantidades de nanomateriais serão significativamente maiores do que as quantidades manipuladas durante a fase de desenvolvimento de material. Uma vez que eles podem ser incorporados, por exemplo, num material composto, redesenhados ou reprocessados. Com isso, as propriedades reais ao final serão muito distintas daquelas previstas na sua criação.24 24 LEAD, Jamie R.; VALSAMI-JONES, Eugenia. Nanoscience and the environment. Frisco, CO, EUA: Elsevier, 2014. p. 28-29.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 22 Inclusive, Garner fundamenta que as transformações ambientais das nanopartículas também irão afetar as suas propriedades físicas e químicas e, assim, seu destino e toxicidade. Os processos de transformação significativos podem incluir: oxidação, reações com fósforo, dentre outras que dependerão do ambiente e produto em questão.25 Além dos riscos já preliminarmente identificados, sua potencialidade danosa pode ser ainda maior, pois os riscos ambientais potenciais permanecem não identificados devido à falta de priorização na pesquisa dos impactos ambiental. Nanomateriais criam dificuldades imensas para a aplicação de regimes de proteção aos recursos ambientais. Ou seja, as agências não possuem ferramentas e mecanismos econômicos para detectar, medir, monitorar, controlar os nanomateriais fabricados, e muito menos os meios para removê-los do ambiente. 25 GARNER, Kendra L.; KELLER, Arturo A. Emerging patterns for engineered nanomaterials in the environment: a review of fate and toxicity studies. 2014. Disponível em: http://www.readcube.com/articles/10.1007/s11051014-2503-2. Acesso em: 20 jan. 2023.

JULIANE ALTMANN BERWIG 23 Na mesma linha, a indústria tem protegido seus dados sobre os potenciais riscos, alegando tratar-se de informações confidenciais do seu negócio.26 Ademais, as técnicas de avaliações de risco, atualmente existentes foram elaboradas sobre riscos não nanotecnológicos, ou seja, sobre riscos de materiais em que os seus efeitos já são conhecidos. Neste sentido, as métricas para aplicação aos nanomateriais são insuficientes.27 26 INTERNATIONAL CENTER FOR TECHNOLOGY ASSESSMENT (ICTA). NANOACTION PROJECT. Principles for the Oversight of Nanotechnologies and Nanomaterials. Washington, EUA: ICTA, 2012. Disponível em: http:// www.icta.org/files/2012/04/080112_ICTA_rev1.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023. 27 INTERNATIONAL CENTER FOR TECHNOLOGY ASSESSMENT (ICTA). NANOACTION PROJECT. op. cit.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 24 As incertezas significativas associadas com os riscos (eco)toxicológicos dos nanomateriais artificiais constituem desafios para o desenvolvimento dos produtos em direção a maior segurança e benefício possível à sociedade.28 A “nanoecotoxicologia” representa importante foco de discussão acerca dos riscos nanotecnológicos, pois verifica e avalia as reações dos produtos no meio ambiente. Haja vista que o paulatino aumento da produção e disponibilização dos nanoprodutos na sociedade e por fim, quando da não destinação adequada ao meio ambiente poderão ter resultados inesperados, especialmente no contato com atmosfera, água e solo.29 28 SUBRAMANIAN, Vrishali et al. Sustainable nanotechnology decision support system: bridging risk management, sustainable innovation and risk governance. Journal of Nanoparticle Research, v. 16, n. 4, 2016. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/299493919_Sustainable_nanotechnology_decision_ support_system_bridging_risk_management_sustainable_innovation_and_risk_governance. Acesso em: 20 jan. 2023. 29 PASCHOALINO, Matheus et al. Os nanomateriais e a questão ambiental. Revista Química Nova, v. 33, n.2, p. 421-430, 2010. Disponível em: http://static.sites.sbq.org.br/quimicanova.sbq.org.br/pdf/Vol33No2_421_ 32-RV09047.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.

JULIANE ALTMANN BERWIG 25 Peter Gehr, nesta mesma linha menciona que “agora sabemos muito mais sobre os riscos dos nanomateriais e como mantê-los sob controle”. No entanto, é necessário realizar pesquisas adicionais para saber o que acontece quando os seres humanos e o meio ambiente estão expostos a nanopartículas projetadas por longos períodos, ou o que acontece após o período de exposição.30 UmaAvaliaçãodoCiclodeVida (ACV) éa abordagemapropriadaparaanalisareavaliar os benefícios sustentáveis, as vantagens ecológicas ou o impacto ambiental de um produto, processo ou aplicação ao longo de toda a sua vida útil (“do berço ao túmulo”). Os impactos ambientais abrangem todos os fatores ambientalmente relevantes ao extrair recursos do meio ambiente (por exemplo, matérias-primas, como minérios ou petróleo bruto), bem 30 LABORATÓRIO DE QUÍMICA DO ESTADO SÓLICO (LQES). A better understanding of nanomaterials, Campinas, SP: LQES, 2017. Disponível em: http://lqes.iqm.unicamp.br/canal_cientifico/lqes_news/lqes_news_cit/ lqes_news_2017/lqes_news_novidades_2240.html. Acesso em: 20 jan. 2023.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 26 como as emissões (por exemplo, resíduos e CO2). Todavia, os mecanismos de verificação do impacto e exposição aos nanomateriais, no entanto, permanecem em grande parte desconhecidos. Isso significa que os efeitos à saúde dos nanomateriais ainda não podem ser incorporados a uma ACV. Ademais, as poucas ACV realizadas emprodutos comnanomateriais nãoenglobam todas as etapas do ciclo de vida, o que dificulta uma análise abrangente e avaliação dos impactos ambientais e efeitos à saúde humana.31 Uma avaliação do ciclo de vida dos nanomateriais - incluindo fabricação, transporte, uso do produto, reciclagem e disposição final dos resíduos - é necessária para verificar a aplicação aos sistemas legais vigentes ou a existência de lacunas legais que demandem nova regulação. Neste ciclo de vida, devem ser avaliados os efeitos sistêmicos ao meio ambiente, à saúde, à segurança de 31 NANOTRUST. Nanotechnology and the environment - Potential benefits and sustainability effects. Viena: Nanowerk, 2012. Disponível em: https://www.nanowerk.com/spotlight/spotid=25910.php. Acesso em: 20 jan. 2023.

JULIANE ALTMANN BERWIG 27 modo geral ambiental, tudo isso deve ocorrer antes da comercialização dos produtos. Uma vez que após a liberação dos nanoprodutos na natureza podem ser esperados impactos ambientais potencialmente prejudiciais, com importante mobilidade e persistência no solo, água e ar, bem como gerar bioacumulação e interações imprevistas com outras substâncias químicas materiais biológicas.32 Nesta via, as nanotecnologias “ao mesmo tempo abrem perspectivas de melhoria da vida humana, também podem trazer efeitos nefastos”. Técnicas que tinham por objetivo a melhoria produziram efeitos negativos. Essa possibilidade de efeitos são “riscos” que podem tanto declinar para o resultado positivo quanto negativo. Engelmann, Flores e Weyermüller, corroboram que a “’Revolução das Nanotecnologias’ tem-se a perspectiva de profundas mudanças na sociedade, mas é necessária uma discussão sobre os riscos da inovação”.33 32 INTERNATIONAL CENTER FOR TECHNOLOGY ASSESSMENT (ICTA). NANOACTION PROJECT. Principles for the Oversight of Nanotechnologies and Nanomaterials. Washington, EUA: ICTA, 2012. Disponível em: http:// www.icta.org/files/2012/04/080112_ICTA_rev1.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023. 33 ENGELMANN, Wilson; FLORES, André Stringhi; WEYERMÜLLER, André Rafael. Nanotecnologias, Marcos Regulatórios e Direito Ambiental. Curitiba: Honoris Causa, 2010. p. 132.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 28 Desta maneira, as técnicas para quantificação de nanomateriais no ambiente representam um desafio científico. Os nanomateriais, dadas as peculiaridades físico-químicas, exigem o aprimoramento de novas técnicas para verificação e que são distintas das comumente empregadas. 34 Assim, a gestão dos riscos dos nanomateriais fabricados exige a capacidade de medir de forma precisa e reproduzível as propriedades físicas e químicas desses materiais que são relevantes para sua avaliação de risco. Porém muitas propriedades de nanomateriais manufaturados são desconhecidas, por isso exigem-se novos métodos, bem como a modificação dos métodos convencionais para resolver algumas dessas deficiências.35 34 PASCHOALINO, Matheus et al. Os nanomateriais e a questão ambiental. Revista Química Nova, v. 33, n.2, p. 421-430, 2010. Disponível em: http://static.sites.sbq.org.br/quimicanova.sbq.org.br/pdf/Vol33No2_421_ 32-RV09047.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023. 35 GAO, Xiaoyu; LOWRY, Gregory V. Progress towards standardized and validated characterizations for measuring physicochemical properties of manufactured nanomaterials relevant to nano health and safety risks. NanoImpact, v. 9, p. 14-30, 2018. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/ S2452074817301210. Acesso em: 20 jan. 2023.

JULIANE ALTMANN BERWIG 29 Para tanto, exige-se uma discussão detalhada, qualificada e aprofundada sobre os riscos possíveis das nanotecnologias, a fim de possibilitar o seu desenvolvimento comamáxima redução das expectativas negativas.36 Em suma, as nanotecnologias possivelmente trazem e trarão mais eficiências na produção e utilização dos nanomateriais, na indústria automotiva com materiais mais leves e resistentes, na comunicação imprimindo mais velocidade de transmissão de dados e armazenamento, na química resultando em maior eficiência energética, na farmacêutica com sistemas de difusão de medicamentos que atinjam pontos específicos no corpo humano, no setor de energia com armazenamento e a produção de energia de modo ecológico, também no meio ambiente com materiais que possibilitem retirar os poluentes dos efluentes industriais, bem como em sua 36 BERWIG, Juliane Altmann; ENGELMANN, Wilson. A Nanotecnologia: do fascínio ao risco. In: ENGELMANN, Wilson; HUPFFER, Haide Maria (org.). Impactos Sociais e Jurídicos das Nanotecnologias. São Leopoldo: Casa Leiria, 2017. p. 39-74. Livro disponível em e-book.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 30 defesa na ocorrência de desastres. Portanto, é reconhecível o fascínio que as nanotecnologias demonstram diante das diversas possibilidades de soluções.37 Ao mesmo tempo em que as nanotecnologias se revelam como uma oportunidade de desenvolvimentos positivos para o futuro da humanidade, o risco assim revela-se como a oportunidade de estabelecer vínculos com o futuro a evitar as consequências negativas. Conexões estas que permitem lançar a consciência às projeções além do hoje, mas do que ainda virá. É sabido que esta conscientização do risco justamente objetiva evitar (prevenir e precaucionar) danos vivenciados no passado, quando as novas descobertas tecnológicas eram implementadas sem qualquer mensuração de risco e os danos nefastos 37 ALVES, Oswaldo. Nanotecnologia, nanociência e nanomateriais: quando a distância entre presente e futuro não é apenas questão de tempo. Revista Parcerias Estratégicas, Brasília, v. 9, n. 18, p. 23-40, 2004. Disponível em: https://seer.cgee.org.br/parcerias_estrategicas/article/view/138/132. Acesso em: 20 jan. 2023.

JULIANE ALTMANN BERWIG 31 seconcretizaram. Opensamentovoltadoexclusivamenteno resultado imediato dos ganhos com a inovação merece ser ligeiramente repensado.38 Desta maneira, a pergunta que surge é: de que forma, utilizando os atuais elementos do Direito, é possível realizar a gestão jurídica dos riscos ambientais das nanotecnologias? Portanto, apesar da inexistência comprovada de regras de Direito que poderiam vir a incidir sobre as nanotecnologias, existe no próprio sistema outras fontes que emanam orientações, que podem ser exploradas para a implementação de um plano de gestão de riscos ambientais de forma dinâmica, com capacidade de acompanhar a evolução das descobertas nanotecnológicas. 38 BERWIG, Juliane Altmann; ENGELMANN, Wilson. A Nanotecnologia: do fascínio ao risco. In: ENGELMANN, Wilson; HUPFFER, Haide Maria (org.). Impactos Sociais e Jurídicos das Nanotecnologias. São Leopoldo: Casa Leiria, 2017. p. 39-74. Livro disponível em e-book.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 32 Para tanto, os elementos estruturantes serão, em primeiro momento, a Declaração dos Direitos Humanos, as Declarações e Acordos Internacionais de onde emanam os Princípios (Prevenção, Precaução e Poluidor-Pagador), os Direitos Fundamentais que ratificam estes princípios e de onde emanam outras fontes do Sistema do Direito (Leis, Decretos, Resoluções, Normas Técnicas, etc. que, combinadas oferecem uma resposta oportuna para a Gestão dos Riscos Nanotecnológicos ao meio ambiente. Para tanto, framework será apresentado e justificando a inclusão de seus elementos, o mesmo também será explicado.

JULIANE ALTMANN BERWIG 33 Framework para a Gestão dos Riscos nanotecnológicos ao meio ambiente.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 34 A inclusão da DUDH (linha vermelha no framework) como fonte emanadora do Direito Ambiental, está relacionada a proteção aos Direitos Humanos sendo ela decorrente também das consequências trazidas pela Revolução Industrial e que inspiraram as discussões internacionais sobre a proteção do meio ambiental humano, as quais foram positivadas na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em Estocolmo (1972). Ou seja, além das demais facetas, os Direitos Humanos possuem uma delas direcionada para a proteção do meio ambiente, almejando a proteção da qualidade de vida a ser desfrutada pela população.39 Ao mesmo tempo, esta face objetiva prevenir e precaucionar o risco de dano ambiental, pois, por consequência, atingirá a espécie humana, dado funcionamento sistêmico do meio ambiente.40 39 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano [Conferência de Estocolmo]. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2013/12/estocolmo_mma.pdf. Acesso em: 19 mar. 2018. 40 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Los derechos humanos en la sociedad tecnológica. Madrid: Universitas, 2012, p. 20.

JULIANE ALTMANN BERWIG 35 Em razão da globalização são necessários ditames de ordem internacional, pois os regramentos internos/nacionais não são suficientes para controlar os riscos de danos ambientais, quando estes são transterritoriais. Para tanto, é importante reforçar o controle interno, mas este subordinado aos ditames internacionais, para manter o quanto possível for uma uniformidade mínima em respeito aos Direitos Humanos e ao meio ambiente. Tais ditames são os Direitos Humanos, pois dentre os acordos/declarações internacionais são o que possuem maior força de atuação e maior aderência pelos países. Ademais, os Direitos Humanos são o berço do desenvolvimento do Direito Ambiental Internacional e tem o viés de pactuar internacionalmente medidas/diretrizes protetivas o desenvolvimento seguro das nanotecnologias aos seres humanos e, consequentemente ao meio ambiente.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 36 Logo, a DUDH é elemento essencial para a gestão dos riscos nanotecnológicos ao meio ambiente, uma vez que dela muitos países são signatários, sendo ela considerada uma das Declarações mais respeitadas e aplicadas globalmente. Ademais, dela que emanarammuitas das demais Declarações e Acordos Internacionais de Proteção Ambiental (linha azul no framework), tais como: Convenção de Estocolmo, Convenção de Viena e o Protocolo de Montreal, Protocolo da Camada de Ozônio, Rio 92 e demais acordos internacionais. Importa ressaltar que dos acordos e declarações internacionais advém o conceito aplicado atualmente a respeito dos Princípios da Prevenção, Precaução e Poluidor-Pagador, por esta via, justifica-se a inclusão das fontes do Direito baseadas nestes ditames internacionais.

JULIANE ALTMANN BERWIG 37 Consequentemente, seguindo a ordem prevista no framework, os Direitos Fundamentais (linha verde no framework) representam a internalização dos Direitos Humanos. Ou seja, no plano internacional estão materializados na DUDH e no plano interno nos Direitos Fundamentais.41 Tendo em vista o objeto principal ser assegurar a dignidade humana, à vida, à liberdade, à saúde, o trabalho, à educação e condições mínimas de desenvolvimento, logo, a abordagem apartada da questão ambiental é impossível.42 41 ENGELMANN, Wilson. O direito das nanotecnologias e a (necessária) reconstrução dos elementos estruturantes da categoria do “direito subjetivio” In: STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo; ENGELMANN, Wilson (orgs.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica: Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS: Mestrado e Doutorado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. n. 11, p. 339-359. 42 NAZO, Georgetie Nacarato; MUKAI, Toshio. O direito ambiental no Brasil: evolução histórica e a relevância do direito internacional do meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, v. 28, p. 70-100, out./dez. 2002. Disponível em: http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad82d9a 0000016289b41e3ce3b59a0a&docguid=I45c3dc50f25511dfab6f010000000000&hitguid=I45c3dc50f25511dfa b6f010000000000&spos=1&epos=1&td=1&context=82&crumb-action=append&crumb-label=Documento&is DocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1. Acesso em: 20 jan. 2023.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 38 Como consequência a Constituição Federal de 1988 que prevê os Direitos Fundamentais também autoriza, especialmente no Art. 225, a elaboração de legislações para a preservação ambiental. E, perpassando estas, a aplicação dos Princípios da Prevenção, Precaução e Poluidor-Pagador é indicada, especialmente, pois inexistem legislações específicas e capazes de gerir com eficiência os riscos nanotecnológicos de danos ambientais (linha laranja no framework). Desta maneira, o Princípio da Precaução possui relação com os princípios da prevenção e poluidor-pagador, haja vista que muitos riscos são abstratos, mas alguns concretos, portanto, previsíveis (prevenção), logo devem ser geridos e recuperados, caso venham a causar danos (poluidor-pagador).

JULIANE ALTMANN BERWIG 39 Também, diante das incertezas científicas quanto aos riscos nanotecnológicos, há a necessidade de melhorar a comunicação entre o Sistema do Direito e das Ciências, para que haja a compreensão do Direito sobre os riscos, bem como da Ciência sobre os instrumentos possíveis de controle. Esta ponte de comunicação pode se dar pela transdisciplinaridade. A transdisciplinaridade se revela empiricamente no momento da realização dos estudos sobre os riscos e da sua avaliação para posteriormente, aplicação do Plano de Gestão dos Riscos de Danos Ambientais.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 40 A definição do Princípio da Prevenção é tida pela sua invocação quando os impactos ambientais já são conhecidos, pois há comprovado nexo causal entre a atividade e os danos ambientais futuros. Quadro 1 - Resumo sobre a definição do Princípio da Prevenção Aplicável aos impactos ambientais já conhecidos com possível verificação do nexo de causalidade entre a atividade e os futuros danos ambientais prováveis. Fonte: Elaborado pela autora. A grande celeuma mora quanto à definição e aplicação empírica do Princípio da Precaução. Muitos autores, criticam o princípio pela sua abstralidade, o que justamente impede, em muitas situações, a sua aplicação. Mas, em outras tantas, o mesmo é aplicado, mas de forma arbitrária, sem justificativas científicas palpáveis.

JULIANE ALTMANN BERWIG 41 Após discorrer sobre os argumentos, acerca das possíveis aplicações do Princípio da Precaução, verificou-se que em seu interior moram elementos importantes e que podem servir de ferramentas para ao final concluir pela sua (in)aplicação e maneira de direcionamento das decisões. Tal percepção surge em razão da definição do Art. 15 da Declaração Rio 92, bem como de seu endosso, pelos mais renomados doutrinadores do Direito Ambiental, em âmbito nacional e internacional “Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.43 43 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: ONU, 1992. Disponível em: https://www5.pucsp.br/ecopolitica/projetos_fluxos/doc_princi pais_ecopolitica/Declaracao_rio_1992.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 42 Sendo os elementos: i) ameaça de danos graves ou irresistíveis; ii) ausência de certeza científica absoluta; iii) medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. Estes elementos são divididos em etapas representadas na figura que segue: Figura 2 - Parâmetros para a aplicação do Princípio da Precaução Fonte: Elaborado pela autora.

JULIANE ALTMANN BERWIG 43 A ameaça de danos graves e irreversíveis é o risco. O risco de que um dano ambiental decorrente das nanotecnologias venha a se concretizar. Neste elemento estão contidos os procedimentos para a gestão do risco, partindo da percepção do risco, mediante o conhecimento técnico e com a participação do senso comum sobre a aceitabilidade do risco. Após a análise do risco também mediante o conhecimento técnico para que seja possível diagnosticar e quantificar os riscos mediante o diagrama do risco para ao final apresentar uma decisão embutida de proporcionalidade quanto a mensuração do risco, sua aceitabilidade ou inaceitabilidade ou rejeição.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 44 Nesta etapa a transdisciplinaridade revela-se como forma de construção muito importante para a constatação dos riscos de danos ambientais, ou seja, com a junção de profissionais especializados das mais diversas áreas técnico-científicas que se relacionam ao caso concreto. Portanto, através da transdisciplinaridade que será possível quebrar antigos absolutismos e criar novas visões, novas soluções e caminhos para antecipar os riscos e evitá-los, ou, pelo menos mitigar a ocorrência dos danos. A transdisciplinaridade é a aliada à efetivação do Princípio da Precaução, especialmente na fase de conhecimento e diagnóstico dos riscos ambientais nanotecnológicos. Ela serve como instrumento de tradução dos riscos entre as ciências, colocando em diálogo a respeito da informação sobre estes e das possíveis formas de precaução.

JULIANE ALTMANN BERWIG 45 Percebe-se que seria importante que houvesse etapas mínimas e padronizadas a serem seguidas pelas empresas que manipulam nanotecnologias. Quadro 2 - Quadro resumo sobre as etapas da gestão dos riscos para aplicação do Princípio da Precaução Risco - > PROPORCIONALIDADE; 1. Percepção de Risco - conhecimento técnico-científico e a participação do senso comum para decidir sobre os efeitos aceitáveis. 2. Análise de Risco - conhecimento técnico-científico para a identificação prévia dos efeitos adversos e quantificação do risco mediante o diagrama de risco; 3. Gestão de Risco - tomada de decisões com fundamento na proporcionalidade, a partir dos resultados fornecidos pela Análise de Risco Fonte: Elaborado pela autora.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 46 Como segundo elemento, o estado da técnica, remete a concepção de provisoriedade, pois o conhecimento técnico atualiza-se constantemente, logo, o que antes poderia ser desconhecido hoje ou amanhã pode ser conhecido. Assim, a temporalidade remete que a decisão quanto ao risco irá permanecer até que haja incerteza, podendo ser alterada com novas constatações científicas. Enquanto isso, a proporcionalidade impera no sentido de não exigir ações além do que é possível atualmente, ou seja, utilizar na melhor tecnologia disponível, e de forma proporcional ao fim a que o produto se destina. Quadro 3 - Questões essenciais para aplicação do Princípio da Precaução quanto as incertezas científicas Estado da técnica - > PROVISORIEDADE; 1. Temporalidade, pois irá durar enquanto houver incerteza, alterando-se após novas descobertas do conhecimento científico.; 2. Proporcionalidade, não sendo exigido mais do que a adequação entre o meio utilizado e o fim desejado. Fonte: Elaborado pela autora.

JULIANE ALTMANN BERWIG 47 O terceiro elemento que são as medidas economicamente viáveis, tal deve ser coerente, pois é sabido que um mundo de risco zero é impossível, bem como dependendo da situação econômica do país desenvolvedor da tecnologia, talvez o montante financeiro necessário para a gestão do risco seja inviável. Além do que é importante manter a imparcialidade quanto ao risco, pois sim, ele pode gerar danos, mas por outro lado é a oportunidade da inovação. Ao mesmo tempo em que as vantagens devem pesar da mesma forma que os resultados possíveis da inação quanto aos riscos. Quadro 4 - Definição sobre a compreensão das medidas economicamente viáveis na aplicação do Princípio da Precaução Medidas economicamente viáveis - > COERENTE. Deve ser ponderado de acordo com a realidade econômica de cada País acompanhado da análise das vantagens e dos encargos resultantes da ação e inação. Fonte: Elaborado pela autora.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 48 Mota corrobora os elementos do Princípio da Precaução, destacando que: i) a intensidade da tutela jurídica do bem (o meio ambiente) não é absoluta, mas circunscrita à capacidade de cada Estado; ii) basta a ameaça hipotética, porém plausível de danos graves ou irreversíveis para justificar a intervenção, não sendo necessária a sua configuração concreta ou temporalmente provável; iii) não se exige a certeza científica absoluta da determinação do dano plausível, mas tão somente que este, dentro do conjunto de conhecimentos científicos na ocasião disponível, possa legitimamente se apresentar como potencialmente danoso; iv) as medidas econômicas a serem adotadas para prevenir a degradação ambiental sejam compatíveis com as outras considerações societárias do desenvolvimento econômico.44 44 MOTA, Maurício. O Princípio da Precaução no Direito Ambiental: uma construção a partir da razoabilidade e da proporcionalidade. Revista de Direito Ambiental, v. 50, p. 180-211, abr./jun. 2008. Disponível em: http:// www.revistadostribunais.com.br/maf/app/trail/document?docguid=I4678fb80f25511dfab6f010000000000. Acesso em: 20 jan. 2023.

JULIANE ALTMANN BERWIG 49 O Princípio do Poluidor-Pagador possui certa discussão quanto a sua previsão de atuação prévia ou apenas posterior para a recuperação do dano ambiental. Apesar desta indefinição, os doutrinadores, em sua maioria, compreendem que o princípio deve ser aplicado tanto num cenário prévio, para a internalização das possíveis externalidades ambientais, que seria o viés preventivo, quanto em um cenário posterior, caso um determinado dano ambiental venha a ocorrer, que seriam as responsabilidades ambientais na esfera civil, penal e administrativa. Quadro 5 - Definição do Princípio do Poluidor-Pagador O Princípio do Poluidor-Pagador Atua na internalização das possíveis externalidades (prevenção) e no dever de recuperação das externalidades (danos ambientais) já causadas. Fonte: Elaborado pela autora.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 50 Finalizada a etapa de observação das fontes do Sistema do Direito Ambiental aplicadas ao estudo de caso, será explicado em detalhes as etapas do framework com relação as fases do licenciamento ambiental e a etapa posterior ao uso e descarte. A primeira etapa do empreendimento está identificada no framework como “antes da produção”, momento de realização dos estudos para encaminhamento da Licença Prévia (LP) e Licença de Instalação (LI). Nesta etapa, o Princípio da Precaução se revela quanto as ações para a obtenção da LP no que diz respeito aos riscos concretos quanto a localização do empreendimento, atendendo os ditames da PNMA, as leis, decretos, portarias, ANVISA, ISO, resoluções CONAMA e CONSEMA. Também, o Princípio é percebido no que diz respeito a verificação sobre o estado do conhecimento técnico-científico sobre o produto em âmbito nacional e internacional: ISO, OECD, REACH, ANVISA, normas técnicas e acordos internacionais.

JULIANE ALTMANN BERWIG 51 Nesta etapa o empreendimento deverá estar compatível inicialmente com sua localização quanto ao Plano Diretor da cidade em que pretende se instalar quanto a concepção da atividade a ser realizada. Estando compatível e subordinada a estas regras o empreendimento receberá a LP e poderá partir para a reunião de estudos e documentos para a obtenção da LI. Na fase de LI, sendo esta concedida, será autorizada a instalação da atividade de acordo com as especificações constantes nos projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante. O Princípio da Prevenção também presente nesta fase está relacionada a verificação e cumprimento das regras da Política Nacional do Meio Ambiente e condicionantes da LI para gerenciar as ações no momento da obra e instalação de equipamentos para se evitar os danos ambientais.

DOS POSSÍVEIS RISCOS DAS NANOTECNOLOGIAS À SUA GESTÃO JURÍDICA 52 Assim, no framework, quanto aos riscos abstratos, cenário de revelação do Princípio da Precaução, pode-se dizer que na fase da LP e LI que as ações de estudos e diagnósticos estão mais presentes. Portanto, é nesta fase que devem ser traçadas todas as estratégias para construir um plano eficiente de Gestão de Riscos. Para tanto, a primeira fase será a Percepção de Risco em que a ordem é realizar estudos técnico-científicos transdisciplinares para conhecer e compreender os riscos de danos ambientais. Nesse momento, os profissionais técnicos envolvidos das mais diversas áreas, devem estar focados no mesmo objetivo: reunir todo o conhecimento disponível (estado da técnica) sobre os riscos nanotecnológicos de danos ambientais que o produto que se pretende produzir pode vir a ocasionar. Importante que sejam aplicadas as quinze recomendações do The White Paper45, para que as formas de diagnósticos estejam o mais uniforme possível. 45 NATIONAL INSTITUTE FOR PUBLIC HEALTH AND THE ENVIRONMENT. The ProSafe White Paper: Towards a more effective and efficient governance and regulation of nanomaterials. Stavanger, Noruega: ProSafe Project Office, 2017 Disponível em: https://www.rivm.nl/sites/default/files/2018-11/ProSafe%20White%20Paper%20 updated%20version%2020170922.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.

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