Série Cartilhas Pedagógicas - vol. 3 Diálogo Inter-rel gioso Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife Casa Leiria
Área de Ação: Amazônia e Povos Tradicionais / Diálogo inter-religioso / Educação para as relações Étnico-raciais. Província dos Jesuítas do Brasil Pe. Provincial Mieczyslaw Smyda, S. J. Secretário para Promoção da Justiça Socioambiental da Província dos Jesuítas do Brasil e Diretor do OLMA Pe. José Ivo Follmann, S. J. Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA Diretor: Pe. José Ivo Follmann, S. J. Secretário Executivo: Dr. Luiz Felipe B. Lacerda Centro Cultural de Brasília – CCB Diretor do CCB e Superior do Núcleo Apostólico Brasília: Pe. Antonio Tabosa Gomes, S. J. www.olma.org.br Universidade Católica de Pernambuco – Unicap Reitor: Pe. Pedro Rubens Ferreira Oliveira, S. J. Vice-reitor: Pe. Lúcio Flávio Ribeiro Cirne, S. J. Pró-reitora de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação: Profa. Dra. Valdenice José Raimundo Coordenadora do PPG Ciências da Religião: Profa. Dra. Zuleica Dantas Pereira Campos Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife Coordenador: Gilbraz de Souza Aragão www1.unicap.br/observatorio2 © Direitos reservados Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife
Thaís Chianca B. R. do Valle Mariano Vicente (Coordenação) Casa Leiria São Leopoldo - RS 2021 Diálogo Inter-religioso Série Cartilhas Pedagógicas – vol. 3
Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife Coordenação Thaís Chianca B. R. do Valle Mariano Vicente Autores Adélia Oliveira de Carvalho, FMA Ana Cristina Rodrigues de Vasconcellos Gilbraz de Souza Aragão Gustavo Albuquerque Maria Edjane Paixão Maria Lúcia Gomes dos Prazeres Mariano Vicente Thaís Chianca B. R. do Valle Capa Adélia Oliveira de Carvalho, FMA Layout e Diagramação Mariano Vicente Ana Cristina Rodrigues de Vasconcellos Foto/Reprodução Capa Niedja Melo Revisão Gustavo Albuquerque Edição e publicação Casa Leiria Ficha catalográfica Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB: 10/973 O Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife, da Universidade Católica de Pernambuco, e o Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida detêm os direitos autorais do trabalho produzido pelos autores e colocaram sua cartilha sob uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
SUMÁRIO 6 APRESENTAÇÃO 9 DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 15 FUNDAMENTALISMO 21 MÍSTICA INTER-RELIGIOSA 27 ÉTICA GLOBAL E RELIGIÕES 33 LIBERDADE RELIGIOSA 39 LAICIDADE DO ESTADO 45 PLURALIDADE RELIGIOSA 51 CONCLUSÃO
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 6 APRESENTAÇÃO
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 7 Vivemos num mundo onde tudo está se aproximando, onde as religiosidades estão se misturando com menos doutrinas e mais emoções, enfatizando atitudes comuns entre elas. Será que cada religião vai reforçar princípios e lutar por espaço político, defendendo posturas moralistas? Ou as tradições espirituais vão disputar o mercado na televisão e na internet, apelando pra mensagens otimistas? Ou todas as religiões vão se combinar na defesa da justiça social e ambiental?! Estamos numa encruzilhada e precisamos falar e conversar sobre a diversidade espiritual e o Diálogo Inter-religioso. Esse diálogo vem crescendo pelo progresso das comunicações e pelos movimentos de reconciliação dos conflitos mundo afora, ao ponto de se afirmar que “não haverá paz entre as nações se não houver paz entre as religiões e não haverá paz entre as religiões se não houver diálogo entre elas”. De fato, o ecumenismo cristão foi relançado após a Segunda Guerra Mundial por encontros franco- -alemães, e o diálogo entre cristãos e judeus deve- -se à luta comum contra os nazistas, bem como o diálogo com o islamismo se desenvolve pelos desafios internacionais dos palestinos e iranianos. A entrada da Ásia no noticiário mundial favorece o confronto e o encontro com as religiões do Extremo Oriente, as originadas na Índia e as religiões do leste asiático. Além disso, as “novas religiões” indígenas de todos os continentes, como as de matriz afro-brasileira, geram medo de perda de referências. Será possível cultivar uma identidade espiritual aberta à convivência com a diversidade de fés e convicções? Esta cartilha é um convite pra gente pensar e conversar sobre essas questões tão atuais.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 8 Ela entrelaça sete temas: Diálogo Inter-religioso, Fundamentalismo, Mística Inter-religiosa, Ética Global e Religiões, Liberdade religiosa, Laicidade do Estado e Pluralidade Religiosa Brasileira. Em cada tema, uma sequência de seções para ir organizando o pensamento: O que é (questões e dinâmicas envolvidas na temática), Contextualizando (fatos e fotos que ilustram os desafios e questionamentos), Interagindo (sugestões de relacionamento com vivências e experiências de vida), Mobilizando (conhecimentos e habilidades para envolver pessoas e grupos em atitudes críticas e construtivas) e Conectando (audiovisuais para saber mais e seguir aprofundando o estudo). Foi preparada por pesquisadores do Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife, um grupo que liga as pesquisas acadêmicas sobre as espiritualidades, sua contextualização e interpretação com intervenções sociais que promovem fé esclarecida e diálogo entre religiões. Seguimos a tradição dos jesuítas de colaborar com tudo o que leva a humanidade “para frente e para cima” e, por isso, tivemos apoio do seu Observatório de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida para fazer a Cartilha chegar às suas mãos. Estamos certos de que o Diálogo Inter-religioso é chamado a criar ambiente de compromisso, entre e para além das tradições religiosas, com a frente ecumênica e ecológica de defesa da nossa Casa Comum, a Terra. Entre nessa roda com a gente!
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 9 DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO MinC entrega primeiro mapeamento de Terreiros do DF. Foto: Clara Angeleas/MinC.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 10 O QUE É DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO? As religiões se organizam e se regem a partir de princípios, com cada uma vivendo a experiência do sagrado de forma única e singular. Cada uma delas requer uma postura solidária, humilde, respeitosa, fraterna, e exige o reconhecimento e o cumprimento de códigos éticos e morais. Papa Francisco e o Patriarca Ortodoxo. Autor Desconhecido. O diálogo inter-religioso representa a pronúncia do amor, se concretiza no testemunho, no exemplo, na vivência. Seu testemunho se revela numa atitude altruísta, valorizando o outro, reconhecendo suas diferenças, tendo como compromisso o respeito pela maneira de ser de cada pessoa. Todas as religiões são importantes, possuem história e têm a própria identidade. O diálogo significa abertura para conhecer as outras religiões. Todas lidam com o sagrado e se revelam nos ritos e mitos próprios como forma de expressão de suas crenças na divindade, na maneira como entendem o sentido da vida e para além dela. O respeito à escolha da religião e o respeito à profissão de fé de cada pessoa são condições para o diálogo. A postura de diálogo ajuda a compreender as diferenças, a aprender com o outro, e significa reduzir as distâncias entre os diferentes, permitindo o acolhimento. Os Direitos Humanos são base de referência para o exercício do diálogo, pois reconhecem o direito de todo ser humano exercer seus direitos de condição humana, independente de crença, raça, cor, forma de ser e estar no mundo. O diálogo inter-religioso é uma premissa para a diminuição da violência e para vivência da paz.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 11 CONTEXTUALIZANDO É possível o diálogo entre as religiões? Alguns afirmam que sim, outros que não. Líderes religiosos e pesquisadores nos ajudam a pensar o diálogo como um caminho fundamental para buscar a tolerância, o fim da violência e alcançarmos a paz entre as religiões. Diversidade é um dom – Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife. Como exemplos de atitude de diálogo inter-religioso: a visita do Papa ao Iraque recentemente significou um passo importante na direção do diálogo; no Rio de Janeiro, atividades na Cinelândia marcam o Dia Mundial da religião. Leia mais... A pluralidade das religiões aumenta nossa compreensão sobre qual é o sentido de viver e como lidar com a finitude. Assim, podemos nos enriquecer com a sabedoria, as histórias, as culturas e as formas diversas de ser e expressar o sagrado. Isso remete a uma postura de diálogo, de escuta e reconhecimento do outro, do diferente. A visão horizontal entre as religiões se traduz em atitudes de respeito, pois é essencial na postura religiosa, já que significa o fortalecimento da convivência entre os diversos. O diálogo entre as religiões possibilita desenvolver uma posição tolerante. Significa compreender o direito do outro, não aceitar injustiças, nem negar suas próprias convicções, tampouco fazer concessões ao respeito. A experiência do diálogo inter-religioso requer uma postura humilde. Assim, todos e todas podem se enriquecer com a diversidade de saberes. Os discursos religiosos de fraternidade, solidariedade, justiça e paz efetivam-se na vivência respeitosa do diálogo.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 12 INTERAGINDO Como agir diante do contrário? De forma humilde, reconhecendo nossa condição humana, que não está pronta, consiste em se construir com o saber do outro. Dialogar pela beleza de aprender com o outro e transformar o mundo não significa a defesa de uma verdade absoluta. Não é a luta pela defesa do domínio de um sobre o outro, mas da defesa do bem coletivo para que todas as pessoas tenham direitos de se expressarem de forma respeitosa, justa e digna. Vamos refletir? Você já se afastou de alguém porque não professa a mesma fé? Como você acha que o outro se sentiu? Abra-se a conversa, pesquise, conheça... Se acreditarmos no amor, você acha possível respeitar as diferenças? Você aceitaria conhecer uma religião diferente da sua? #respeitetodasasreligiões Diversidade é um dom – Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 13 MOBILIZANDO É possível, sim, o diálogo inter-religioso através de engajamento em organizações (OLMA,ONU) que se orientam pelo diálogo entre as religiões. Acreditamos na força da palavra como meio de defesa da dignidade humana, tendo como premissa o respeito, que pode ser traduzida na Declaração dos Direitos Humanos, na Constituição Federal e outros. Precisamos respeitar a crença de cada pessoa. Isso significa ser coerente com os princípios legais que garantem a liberdade dos cidadãos e cidadãs escolherem uma forma de ser e expressar crenças, professar a fé e escolher uma religião. Que tal visitar espaços e templos na sua comunidade ou bairro, diferentes da sua religião? Nunca fez isso? Você lê sobre outras religiões? Aceita o convite? #conhecererespeitar Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa, Fórum Diálogos.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 14 CONECTANDO Vamos pesquisar mais?! Ficam, aqui, algumas sugestões para você aumentar sua compreensão e se enriquecer. BOTAS, Paulo. Ponto de vista: Diálogo Interreligioso. [S.l.], 19 dez. 2013. Disponível em: https://you tu.be/8OtfEv8sbK8 CONSELHO DA EUROPA. Congresso dos Poderes Locais e Regionais. 12 Princípios para o Diálogo Inter-religioso a Nível Local. [S. l. ], mar. de 2016. Disponível em: https://rm.coe.int/12-principios- -para-o-dialogo-inter-religioso-a-nivel-local-the -role-of/168071b412. Acesso em: jul.2021. GARDER, Jostein; HELLEN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das religiões. São Paulo companhia das Letras, 2005. PANASIEWICZ, Roberlei. Diálogo inter-religioso. In: ARAGÃO, Gilbráz; PANASIEWICZ, Roberlei; RIBEIRO, Claudio de Oliveira (orgs.). Dicionário do Pluralismo Religioso. São Paulo: Recriar, 2020. p. 43-58. SENRA, Flávio. O diálogo inter-religioso. In: SENRA, Flávio. Religare - Conhecimento e Religião - TV Horizonte, entrevista com Faustino Teixiera. Belo Horizonte, [s. d.]. Disponível em: https://youtu.be/ CFtqgxuZADI
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 15 FUNDAMENTALISMO Casas de religiões de matrizes africanas destruídas. Autor desconhecido.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 16 O QUE É FUNDAMENTALISMO? Fundamentalismo é atribuído a uma vertente do movimento protestante conservador, antiliberal, que se formou nos Estados Unidos a partir de 1870, nas principais denominações protestantes norte-americanas [...]. Defendia o princípio da inspiração divina plena da Bíblia, portanto sem erro; a autoridade absoluta da letra da Bíblia na vida do cristão. Manifestação contra o fundamentalismo Existente em todas as religiões, o fundamentalismo só começou a preocupar o mundo na década de 1970, quando a Revolução Islâmica transformou o Irã num Estado teocrático e obrigou o país a um retrocesso, aos olhos do Ocidente. Devido à complexidade em ser definido, dentre as características mais marcantes do fundamentalismo, destacamos: “(a) ênfase muito forte na inerrância da Bíblia, [no sentido de] ausência de toda sorte de erro; (b) forte hostilidade contra a teologia moderna e contra os métodos, resultados e implicações do estudo moderno e crítico da Bíblia; (c) convicção de que aqueles que não compartilham de seus pontos de vista não são realmente ‘verdadeiros cristãos’ de maneira nenhuma”. Fonte? Desse modo, quando uma pessoa desrespeita os valores religiosos de outra, alegando que a verdade de sua crença é superior e dominante, temos aí não só um ataque ao direito individual de liberdade de fé, mas também a abertura a problemas mais complexos, como violência, discriminação, bulliyng e até conflitos armados. A esse processo, propriamente, chamamos de fundamentalismo religioso.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 17 CONTEXTUALIZANDO Nos últimos anos, a sociedade brasileira tem sido impactada por demonstrações de intolerância de grupos e/ou indivíduos que, pretendendo-se superiores ou “mais abençoados e escolhidos por Deus”, atacam igrejas, centros espíritas e casas de matrizes afro-indígenas. Também ocorre intolerância entre membros de uma mesma religião. O que dizer da cena de dezenas de pessoas ajoelhadas com terços nas mãos, rezando em frente à portaria principal do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM), na cidade de Recife, em 16 de agosto de 2020, e dos gritos e atos violentos contra uma menina de 10 anos, que carregava em seu corpo infantil uma gravidez resultante de estupro? Outro caso ocorreu na Bahia, em 15 de julho de 2020, quando um indivíduo foi até a praça de Salvador onde fica um busto de mãe Gilda (morta em 2000) e o vandalizou jogando pedra, vidros, dizendo que em nome de Deus tinha que arrebentar a estátua. Balanço Disque 100 – Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 18 INTERAGINDO No Brasil, há inúmeros casos de fundamentalismos, não somente religioso, mas também político e econômico, que fazem uso da religião e caracterizam-se por intolerância, agressões, violência, abusos, destruição de Centros Espíritas de Umbanda e Candomblé. Jens Galschiot - Crucificado Diante desse cenário, perguntamos: Por que será que as questões de fundamentalismo andam tão ativas, hoje, no Brasil? Quem é a pessoa intolerante no contexto brasileiro? Na sua cidade, bairro ou comunidade, há casos de intolerância? Quem ou qual grupo pode ser responsabilizado por botar na cabeça das pessoas tais pensamentos? Que poder de convencimento é esse, que leva as pessoas a praticarem atos de intolerância e ódio contra semelhantes em nome de Jesus Cristo? Será que a fé em Jesus Cristo deve ser associada às atitudes de racismo, violência, exclusão e apedrejamentos públicos? Será que é isso mesmo que nós queremos? Como podemos combater esses casos de fundamentalismos?
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 19 MOBILIZANDO Em defesa do pluralismo religioso e democrático, é preciso reagir aos fundamentalistas. Desse modo, conheça algumas experiências que ajudam na mobilização de grupos e pessoas interessadas em libertar-se de casos de violência, discriminação, agressões… (clique no título/link para acessar a iniciativa). Tire os Fundamentalismos do Caminho Pela vida das Mulheres Caminhada de Terreiros de Pernambuco Coletivo Vozes Marias Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) APOINME - Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo Centro de Estudos Bíblicos – CEBI SOS Corpo “Se vamos reagir, precisamos ter cuidado para não execrar as pessoas que não pensam como nós. [...] Com certeza, teremos de nos opor, mas sempre estendendo pacientemente as mãos para o diálogo, para que, em nosso pensamento e em nossa prática, não nos tornemos a imagem do outro refletida no espelho” (CAMPOS, 2020).
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 20 CONECTANDO Para além da pequena leitura feita e reflexão despertada sobre a temática, você pode conectar para conhecer mais ações de combate ao fundamentalismo, formas de diálogo e esclarecimento maior da fé, acessando o Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife e o Observatório de Justiça Socioambiental - OLMA. ARAGÃO, G. VICENTE, M. (org). Desafios dos Fundamentalismos. Recife: UNICAP, 2020. 268 p. – (Espiritualidades, transdisciplinaridade e diálogo; 3). Disponível em: Link AUGUSTI, W. Por que falamos tanto em fundamentalismo religioso hoje em dia? [S.l.], Carta Capital, [S.l.], 14 jan. 2020. Link KIEFER, Alex. Fundamentalismo religioso: quando a fé se torna intolerante. Dom Total, [s. l.], 12 jan. 2018. Link CAMPOS, Breno M. Fundamentalismo. In: RIBEIRO, Claudio O.; ARAGÃO, Gilbraz; PANASIEWICZ, Roberlei (org.). Dicionário do pluralismo religioso. São Paulo: Recriar, 2020. p. 84-92. SOS CORPO. Fundamentalismos: projeto contra a vida das mulheres. Outras Palavras, São Paulo, 21 ago. 2020. Link
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 21 MÍSTICA INTER-RELIGIOSA Monge Marcelo Barros falando sobre diálogo, mística e espiritualidade para agentes do CPP
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 22 O QUE É MÍSTICA INTER-RELIGIOSA? A mística está relacionada a mistério, a crença no sobrenatural, no conhecimento de Deus através de experiências que trazem sentido à vida. Mística pela construção da democracia e da paz Os tempos modernos apontam para o ressurgimento de várias formas de expressão e crenças religiosas, a exemplo das benzedeiras. A mística e o aprendizado disseminado a partir delas apontam caminhos que necessitam ser reconhecidos e valorizados a cada momento. As pessoas místicas estão sempre disponíveis a atender, acolher, cuidar e curar. Sua capacidade de trocar energia emocional, sensitiva e corporal é percebida. A força emanada em seu fazer, quando entra em ação, potencializa, dinamiza e marca experiências vividas. O acolhimento, generosidade e partilha das benzedeiras demonstram uma nova forma de comunhão e abertura para uma mística sagrada, amorosa e realizadora de um caminho que é apontado e oferecido pelo senhor da criação - Deus.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 23 CONTEXTUALIZANDO O Morro da Conceição, local essencialmente místico, acolheu em 1904 o Santuário de Nossa Senhora da Conceição, que no mês de dezembro recebe centenas de pessoas, tanto católicas quanto de outras crenças religiosas e vivências culturais. A festa de Nossa Senhora da Conceição é um evento esperado pela satisfação das pessoas em ver as diversas formas de manifestação mística popular que circulam na comunidade, a exemplo de grupos místicos culturais (maracatus, escolas de samba, grupos de capoeira, quadrilha, grupos de Samba Reggae, caboclinho, afoxés) que vão fortalecer o axé - a energia positiva para suas agremiações. É expressivo o número de Casas de Religião de Matrizes Africanas que vão apresentar e pedir bênçãos para a Panela de Yemanjá, a fim de depositá-la nas águas do mar, local sagrado onde esse Orixá habita. Bloco Afro Afoxé Alafin Oyo Memorial Mãe Biu da Nação Xamba Recife desponta como polo de diálogo. Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 24 INTERAGINDO Será que a expressão de religiosidade das mulheres benzedeiras é forte o bastante para que elas atendam pessoas de quaisquer denominações religiosas? Benzendeira em ritual No rico universo religioso cultural do Morro da Conceição, encontramos mulheres que vivenciam e disseminam práticas da cultura afro-brasileira e indígena, na arte da cura por benzeção. As mulheres benzedeiras utilizam os conhecimentos repassados por suas ancestrais para cuidar da saúde física, emocional e espiritual de pessoas necessitadas. A energia que é transmitida através das plantas medicinais, da água, do terço e pela reza, são elementos presentes nessa atuação mística. Dona Conceição, antiga benzedeira do Morro, era espírita kardecista, e dizia que a espiritualidade sempre esteve presente nos momentos de sua benzeção. Em uma busca realizada no YouTube, encontramos quarenta e duas rezadeiras tradicionais; três delas associaram suas práticas aos rituais de umbanda, a maioria se declarou católica, uma se disse evangélica. Algumas disseram que para benzer era só ter o dom da cura, mas todas disseram que atendiam a todas as pessoas que as procurassem.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 25 MOBILIZANDO “O Homem da Meia Noite”, calunga gigante de quase 4 m de altura, subiu ao Morro da Conceição, em 2019, para homenagear Lucas dos Prazeres, um artista da comunidade. De origem Bantu, a energia que envolve o calunga atraiu quase 2.000 moradores da comunidade para tocar, cantar e dançar aos pés da Santa do Morro. Essa manifestação demonstra existir uma relação mística entre a imagem da santa e os moradores da comunidade. Para saber mais, acesse: O Homem da Meia Noite, entidade mística cultural. Procissão dos Pretos Velhos - Casa das Matas do Reis Malunguinho Maracatu Encanto da Alegria – Coroação da Rainha na Igreja do Rosário dos Homens Pretos. Multidão acompanhando o Homem da Meia Noite Lucas dos Prazeres. EXALTANDO a voz do povo..., (3 set. 2019).
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 26 CONECTANDO Para saber ainda mais, acesse: Maria Clara Bingemer fala sobre Espiritualidade para o tempo presente nos Diálogos virtuais de teologia pastoral da PUC- -RJ. Saiba mais... Espiritualidade pra “Cobra Criada” – Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife. Leia mais... BINGEMER, Maria Clara. A mística hoje: um novo momento, uma nova configuração, novos desafios. São Paulo: Paulus, 2012. (47 min) son. color. Produção: Nato 4 Motion. (Coleção Místicos Contemporâneos). RIBEIRO, Claudio O.; ARAGÃO, Gilbraz; PANASIEWICZ, Roberlei (org.). Dicionário do pluralismo religioso. São Paulo: Recriar, 2020. Pesquisadores e professores participam de Imersão em Espiritualidade Inaciana
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 27 ÉTICA GLOBAL E RELIGIÕES Ingredientes para viver em paz
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 28 O QUE É ÉTICA GLOBAL E RELIGIÕES? Qual o valor de uma vida? Para entender o sentido da ética nas religiões, é importante pensar que o seu sentido está relacionado ao sentido da vida, do respeito ao outro, e da própria natureza. Vivemos em uma sociedade carente da ausência de ética e ausente para com o outro. Cumprimento por meio do toque A ética estuda o modo de ser e dedica-se a compreender o comportamento humano. Ela é importante e ajuda-nos a conviver de maneira justa e pacífica. Não é fácil pensar numa ética das religiões, pois vivemos numa sociedade voltada para si, que prioriza mais os próprios direitos em nome de uma felicidade egoísta. É nesse contexto que nos lembramos de Jesus, que reforça a importância de observar o amor como mandamento maior. Se esse meu próximo está de acordo com minhas crenças, talvez seja mais fácil exercer o amor. Quando entendemos que o meu próximo pode ser qualquer pessoa, independente de condição social, raça ou credo, entendemos aí a lógica do amor e passamos a entender e desenvolver a ética. A base da ética se estabelece no amor!
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 29 CONTEXTUALIZANDO Quando alguém fala que outra pessoa é antiética, normalmente refere-se às condutas erradas que essa pessoa cometeu e que afetou alguém. Temos o entendimento que é antiético subornar guardas de trânsito, furar filas, estacionar em locais reservados [...], mas será que perdemos esse filtro quando pensamos numa ética nas religiões? Homem de harmonia Para uma melhor compreensão, uma pequena história: em março de 1995, uma forte tempestade atingiu o Rio de Janeiro, deixando muitas famílias desabrigadas. Lembro-me de uma instituição evangélica de amparo a menores que abriu as suas portas e recebeu a comunidade, sem distinção de religião. Muitos se abrigaram ali até que suas casas fossem restabelecidas. Era interessante observar a resistência de alguns religiosos da instituição, que constantemente insistiam para que as famílias se retirassem por serem praticantes de outras religiões. Entretanto, a direção da instituição se pronunciava com respeito e amor às pessoas desabrigadas. Ao final do tempo, as famílias retornaram às suas casas muito agradecidas pelo acolhimento. Esse movimento de se doar ao outro é a ética da verdadeira religião que entende, trata e dignifica a pessoa humana, independentemente de raça ou credo.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 30 INTERAGINDO Cada religião é diferente uma da outra, mas o importante é entender e respeitar. Conversar com o outro diferente é o ponto de partida para a promoção da paz. Para estabelecer um diálogo entre as religiões é importante exercer e praticar um olhar piedoso, amoroso e compreensivo. Será que entendemos a religião do outro nas suas especificidades a ponto de respeitá-la eticamente? Veja algumas dicas: Faça um passeio na sua comunidade e observe as diferenças religiosas! Quando estiver conversando com o outro sobre religião, lembre sempre de ouvir sem julgamento. Diversidade. Imagem de John Hain por Pixabay.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 31 MOBILIZANDO Conhecer o que cada religião conversa sobre ética é essencial para o inicio de um diálogo respeitoso e inteligente. Você consegue se colocar junto ao outro para compreender as diferenças? Olha que linda essa frase escrita por Moreno: Encontro de dois. Olho no olho. Cara a cara. E quando estiveres perto eu arrancarei os seus olhos e os colocarei no lugar dos meus. E tu arrancará os meus olhos e os colocará no lugar dos teus. Então eu te olharei com teus olhos e tu me olharás com os meus. (Jacob L evy Moreno). Olhe com o olhar do outro, coloque-se no lugar dele antes de criticar e julgar! Seja tolerante com os que pensam diferente de você! Nossas diferenças nos aproximam e nos fazem crescer! Símbolos das religiões... Gordon Johnson por Pixabay.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 32 CONECTANDO Ainda tem mais. Ficam aqui algumas dicas “de ouro” para você aumentar sua compreensão sobre esse tema tão importante. Assista ao filme A corrente do bem. O filme fala sobre um desafio de um professor que modificou toda uma comunidade escolar. Clique no título do filme ou aqui para assistir. Imagem de Анна Куликова por Pixabay Tem uma frase de um sociólogo chamado Bauman que é bem importante: “aceitar o preceito do amor ao próximo é o ato de origem da humanidade.” Nosso mundo seria diferente se cada um pensasse a respeito. Se você se interessou pelo tema, procure ler algumas sugestões interessantes! Para Conhecer mais sobre a temática, vale dar uma olhadinha do Dicionário do Pluralismo religioso. Você encontrará o assunto da ética, dentre vários temas interessantes! RIBEIRO, Claudio O.; ARAGÃO, Gilbraz; PANASIEWICZ, Roberlei (org.). Dicionário do pluralismo religioso. São Paulo: Recriar, 2020. Se você gosta de histórias em quadrinhos, então não deixe de conferir esse material bem legal, abaixo: CESAR, Daniel Clós. Quadrinhos e Religião: Cristianismo, Islã e Judaísmo nas Histórias emQuadrinhos. [S. l.: s. n. ], 2015. Disponível em: https://www.ucs. br/site/midia/arquivos/quadrinhos-e-religiao.pdf E que nossas ações sejam realizadas com amor, ética e muito diálogo!
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 33 LIBERDADE RELIGIOSA Pluralidade religiosa. Autor Desconhecido.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 34 O QUE É LIBERDADE RELIGIOSA? Liberdade religiosa é o direito que todas as pessoas têm de poder exercer uma religião, seja qual for, em um ambiente que respeite a pluralidade de crenças e religiões. É também ter liberdade de pensamento e respeitar as diversas formas de entender o sagrado, para que todas as pessoas possam se sentir acolhidas e inseridas em seu próprio país e na sociedade. Crianças indígenas na Amazônia. Autora: Katia Braga. A proteção à liberdade religiosa é necessária em países como o Brasil, e está prevista como um direito de todas as pessoas no artigo 5º da Constituição de 1988, que diz que todos somos iguais para a lei e temos garantido o direito à liberdade de crença. A lei também determina que ninguém será privado de direitos por motivo de qualquer crença. Apesar disso, em 2017, o Disque 100 ainda nos mostrava a invasão e a profanação de templos, a destruição de imagens sagradas e agressões verbais, e até mesmo tentativas de homicídio sendo denunciadas por motivação religiosa. Precisamos caminhar passo a passo, embusca da construção de uma sociedade capaz de acolher a todas as pessoas, de forma justa e igualitária.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 35 CONTEXTUALIZANDO Em nosso país não existem liberdades absolutas e ilimitadas para atitudes criminosas e de intolerância. Nesse sentido, uma religião que pregue o ódio, a violência ou o mal para outra, ou que desrespeite o sagrado de outra religião, deve ser combatida e punida. Todo direito de uma pessoa ou grupo termina quando começa o direito de outra pessoa ou grupo, pois todas as pessoas devem se respeitar enquanto seres de uma mesma coletividade. Manifestação contra o racismo religioso Grupos extremistas religiosos, que se colocam como único caminho para a “salvação” e por isso passam a desrespeitar as demais religiões, não estão livres de punição pela violência que cometem à liberdade religiosa das outras pessoas e grupos. Em Recife - PE, ficou conhecido o episódio protagonizado por uma vereadora que fez a seguinte postagem em suas redes sociais: “Noite de Intercessão no Recife, orando por Pernambuco e pelo Brasil, na Orla de Boa Viagem, clamando e quebrando toda maldição de Iemanjá lançada contra nossa terra, em nome de Jesus. O Brasil é do Senhor Jesus. Quem concorda e crê diz amém”. A postagem, feita em 3 e 4 de fevereiro de 2018, dias depois das oferendas para Iemanjá nos mares da cidade, fez com que a vereadora tivesse contra si um inquérito aberto no Ministério Público desse Estado, por possível violação da liberdade religiosa das comunidades de terreiro. Assim, para que o nosso direito de liberdade religiosa mereça ser respeitado, precisamos, antes, refletir até que ponto nossas atitudes religiosas não são manifestação de ódio e violência para a liberdade religiosa de pessoas que creem em religiões diferentes das nossas.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 36 INTERAGINDO Precisamos refletir sobre nossas atitudes dentro de nossas religiões e do mal que elas possam estar causando para outras religiões. Assim, poderemos colocar em prática atitudes de respeito à diversidade religiosa, da justiça e da paz, e viver em comunhão com nossos semelhantes. Podemos começar da seguinte forma: Reconhecer que o meu direito ao sagrado é o mesmo direito que tem outra pessoa de entender o sagrado de forma diferente. Entender que reafirmar minha fé para mim e para a minha comunidade de fé não significa agir com violência com comunidades de fé diferentes da minha. Não entender outras religiões como ameaça me possibilita viver em paz e em comunhão com a sociedade, independente de religião.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 37 MOBILIZANDO Pensar e agir pela liberdade religiosa vem sendo uma experiência buscada no Brasil inteiro. Todos esses grupos possuem um objetivo em comum: construir uma sociedade mais justa e igualitária. OObservatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA – vem reunindo iniciativas no país em favor do diálogo inter-religioso, sendo uma delas o Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife. Procure ações desse tipo em sua cidade! Você pode saber mais em: https://olma.org.br/ https://www1.unicap.br/observatorio2 Evento sobre educação popular organizado pelo OLMA
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 38 CONECTANDO Respeite mais, julgue menos. Perdoe mais, condene menos, Abrace mais, empurre menos. Faça mais, e fale menos. E se o assunto for religião, seja razão, seja sua razão, mas também seja coração, aliás, seja plural. Seja corações de todas as crenças, de todas as cores, de todas as fés, de todos os povos, de todas as nações! Não transforme a sua fé em uma cerca com arames cortantes! Use ela para se transformar em alguém melhor que antes, em alguém talvez melhor que ontem! Se transforme! Se transforme em alguém! Afinal, do que vale uma prece se você não vai além? Se você não praticar o bem? Pratique o bem sem olhar a quem! Sem se preocupar com a crença de ninguém! Pois acredite, Deus não tem religião também, Deus é o próprio bem! Deixe Deus ser o deus de cada um! Deixe cada um ter o deus que quiser ter! Seja você, e deixe o outro ser o que ele quiser ser. Seja menos preconceito, seja mais amor no peito, Seja mais amor, seja muito mais amor! E se mesmo assim for difícil ser, não precisa ser perfeito. Se não der pra ser amor, seja pelo menos respeito! (Tolerância Religiosa – Bráulio Bessa) Nosso estudo pode ir mais além: a) Leitura: Dicionário do Pluralismo Religioso, de Cláudio de Oliveira Ribeiro, Gilbraz Aragão e Roberlei Panasiewicz; b) Leitura: Teologia do Pluralismo Religioso, de José Maria Vigil; c) Pensamento/Poesia: “Tolerância Religiosa” – por Bráulio Bessa. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=0KsMdlc30BK0 Grupo de pesquisa sobre Diálogos inter-religiosos
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 39 LAICIDADE DO ESTADO Estado laico. Autora: Fátima Oliveira
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 40 O QUE É LAICIDADE DO ESTADO? A palavra laicidade vem do termo “laico” ou “leigo”, e significa algo que não é religioso. Em um Estado laico, o poder público fica impedido de assumir uma única religião oficial, uma vez que as leis não são iguais às normas religiosas e não devem ter relação com elas. Manifestação do Fórum Diálogos pelo respeito à diversidade religiosa e o Estado laico. O Estado laico separa ideias religiosas das decisões políticas para que todas as religiões possam sentir-se acolhidas pelo poder público, sem privilégios de umas sobre as outras. Os motivos de fazer essa separação vêm da necessidade de reconhecer que todas as pessoas deveriam ser livres para escolher a própria crença, ou seja, o respeito à liberdade religiosa. No Brasil, a separação entre Igreja e Estado veio a acontecer com a República de 1889. Nesse momento, o nosso país deixou de ter uma religião oficial - através do Decreto 119-A, de 17 de janeiro de 1890 - e a liberdade de culto passou a ser protegida pela primeira vez através da Constituição de 1891. Atualmente, como expressão do respeito à liberdade religiosa, os artigos 19 e 150 da Constituição de 1988 proíbem o poder público brasileiro de estabelecer cultos e Igrejas ou manter com elas relação de dependência ou impedir-lhes o funcionamento.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 41 CONTEXTUALIZANDO Mas é preciso refletir como essa liberdade religiosa vem sendo respeitada na prática e como o Estado tem auxiliado para que esse respeito aconteça. Na cidade de Olinda – PE, em 2017, um Juiz de Direito condenou um Pai de Santo a quinze dias de prisão por perturbação ao sossego. Ele disse estar sendo vítima de intolerância religiosa, pois quem o denunciou já havia tentado, várias vezes, especialmente no ano de 2015, impedir as realizações dos rituais sagrados na Tenda de Umbanda, um local de culto que possui apenas dois pequenos atabaques e conta com o som de palmas e cânticos. O denunciante não possuía a mesma religião, e não aceitava a religião denunciada. Podemos observar que muitas igrejas e templos realizam cultos com som alto, mas, para essas, as denúncias sobre perturbações ao sossego são quase inexistentes.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 42 INTERAGINDO Existe um grupo assim na cidade onde você mora? A laicidade do nosso Estado possibilita o surgimento de auxílio público em combate à intolerância religiosa e estimula o surgimento de grupos como o Fórum Diálogos da Diversidade Religiosa em Pernambuco, que tem reunião permanente de representações de diversas religiões com iniciativa do Ministério Público desse Estado. Você sabe o que é preciso saber e que atitudes tomar em casos de intolerância religiosa? O Disque Direitos Humanos – Disque 100 – é um serviço governamental de apoio aos direitos de grupos vulneráveis e de denúncias de violação aos Direitos Humanos. Esse serviço também vem recebendo denúncias relativas à intolerância religiosa. O Código Penal de 1940, no artigo 208, pune com detenção de um mês a um ano ou multa a perturbação e o impedimento da prática de culto religioso, o ato de escarnecer publicamente de alguém por motivo de crença e o ato de vilipendiar objeto de culto religioso, possibilitando a denúncia em qualquer unidade policial. Fórum Diálogos Fórum Diálogos
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 43 MOBILIZANDO O Fórum Diálogos da Diversidade Religiosa em Pernambuco atua em parceria com o Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife, e foi criado em 12 de novembro de 2012, com o objetivo de reunir representantes de diversas religiões pelo diálogo inter-religioso e o respeito à laicidade do Estado. Você pode saber mais em: Fórum Diálogos Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife Fórum Diálogos
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 44 CONECTANDO Nosso estudo pode ir mais além: a) Análise das denúncias do disque 100 em 2017. Clique no link a seguir: Brasil tem uma denúncia de intolerância religiosa a cada 15 horas b) Encontro de sociedade e Poder Público no aniversário do Fórum Diálogos de Pernambuco. Clique no link a seguir: Fórum Diálogos comemora 7 Anos na Sinagoga Kahal Zur Israel c) Conheça o projeto: “Um Sábado Qualquer”, quadrinhos de Carlos Ruas.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 45 PLURALIDADE RELIGIOSA Diversidade religiosa. Autor Desconhecido.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 46 O QUE É PLURALIDADE RELIGIOSA BRASILEIRA? Pluralidade Religiosa Brasileira é um termo que se refere ao tanto de religiões, religiosidades e expressões de fé presentes no território do Brasil. Símbolos religiosos diversos. Autor desconhecido. O território que hoje podemos chamar de Brasil já foi habitado por milhões de pessoas de inúmeras culturas indígenas diferentes. Quando foram dominadas por culturas europeias, as que restaram foram obrigadas a incorporar outras crenças religiosas às que já tinham. As culturas que vieram escravizadas da África também passaram pelo mesmo processo, porém isso diversificou não só todas essas culturas, como também as religiões presentes nelas. Ao longo de nossa história, várias outras culturas vieram habitar nosso território e trouxeram as respectivas religiões. A imensa extensão territorial de nosso país certamente é um fator que contribui para que existam diversos hábitos culturais regionais. Religião também é fruto da cultura, assim como a influencia. Como não há limites exatos nessa interação, há inúmeras possibilidades de novos movimentos religiosos surgirem. Mais recentemente, com o acesso à internet, a Pluralidade Religiosa Brasileira tem frutificado e se ramificado de uma forma sem precedentes.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 47 CONTEXTUALIZANDO De acordo com o último Censo, feito em 2010, 64% da população se diz Católica, mas só 5% desse número se diz “praticante”, ou seja, que vai para as atividades coletivas da igreja ao menos uma vez na semana. Ainda assim, isso pode não refletir a verdade, visto que essa pesquisa não registra os grupos que se declaram católicos, mas que são, de fato, praticantes de religiões de matriz afro-indígena. Isso provavelmente se deve ao tanto de preconceito que sofrem ao longo da história brasileira. Ainda de acordo com o último Censo, 23% da população se diz Evangélica, mesmo com uma grande parcela se dizendo sem denominação. Isso se deve, em muito, às pessoas que se dizem “desigrejadas”, ou que frequentam “células”. Mesmo não ficando claro para a pesquisa, esse número pode ser relacionado com a mobilidade urbana e com a força da internet, nas redes sociais virtuais. Distribuição das religiões no Brasil (números absolutos). Fonte: IBGE 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O Censo não consegue distinguir as pertenças indígenas e afroquilombolas, visto que a vivência da religião é tão próxima da cultura que praticamente se fundem numa só.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 48 INTERAGINDO Você tem alguma religião? Você faz ideia do tanto de elementos que sua religião herdou e/ou causou influências em outras religiões? Como estamos falando da Pluralidade Religiosa Brasileira, pesquise sobre História das Religiões. Entenda como o Cristianismo Primitivo, as divisões dele, as guerras cristãs, as cruzadas e a Inquisição, que resultaram em outras igrejas, chegaram até ao “Brasil” de 1500. Permita-se perceber que nenhuma delas está cristalizada e que existem ramificações novas surgindo a todo tempo.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 49 MOBILIZANDO Vá em cerimônias de igrejas cristãs diferentes; aproxime-se de comunidades indígenas e perceba como elas exercem a própria religiosidade originária; vá em cerimônias do Candomblé, da Jurema Sagrada e Encantarias, perceba a influência do cristianismo nelas; vá em cerimônias da Umbanda e perceba os elementos de todas essas religiões anteriores. Para além dessas expressões de fé, há outros movimentos que compõem a Pluralidade Religiosa Brasileira: Judaismo, Budismo, Islamismo, Sufismo, Bruxarias, Fé Bahá’í, Seicho-no-ie, Hare Krishna, Santo Daime, União do Vegetal, Vale do Amanhecer, Kardecismo, Confucionismo, Xintoísmo, Igreja Messiânica, Ananda Marga, Brahma Kumaris, Ordem RosaCruz e os “Movimentos da Nova Era”, que são de difícil descrição devido ao excesso de misturas.
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 50 CONECTANDO Para entender mais sobre a pluralidade da cultura e da história brasileiras, acesse o documentário completo de O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro. Acesse clicando no link do título acima. RIBEIRO, Claudio de O. Pluralidade Religiosa Brasileira. In:. RIBEIRO, Claudio de O.; ARAGÃO, Gilbraz; PANASIEWICZ, Roberlei (org.). Dicionário do pluralismo religioso. São Paulo: Recriar, 2020. p. 186-193.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 51 CONCLUSÃO
SÉRIE CARTILHAS PEDAGÓGICAS – VOL. 3 52 Esperamos que a leitura e estudo da Cartilha tenha despertado em você uma consciência mais ampla e tenha provocado conversas mais profundas com os seus grupos de convivência, levando a atitudes mais construtivas quanto ao esclarecimento da fé e à promoção do Diálogo Inter-religioso. Nós percebemos que estamos entrando em uma nova era de conhecimento, a qual deve corresponder uma espiritualidade aberta à convivência. Os novos tempos motivam a passagem da religião fechada em costumes para uma religiosidade em que o mistério da vida transparece entre a gente, despertando místicas de apreço e cuidado com os outros, criando valores novos e novas formas de expressão das tradições. Prevemos também que os encontros e diálogos em busca de uma espiritualidade mais integral acabarão desenvolvendo místicas que vão além da própria referência teológica de crenças e ritos, rumo a uma dimensão maior e aberta, de experiência espiritual comumentre e alémdas religiões. Queremos convidar você para seguir buscando essa espiritualidade e colaborando numa rede de respeito à diversidade e de promoção do diálogo. Qual é o nosso diferencial e como tratar as diferenças dos outros? Se a gente contextualiza historicamente as religiões, aprende a respeitar a sua diversidade e a apreciar as experiências de transcendência humana que são comuns entre e para além delas. O respeito, e mesmo a reverência pela diversidade, pelos caminhos espirituais dos outros resultam dos estudos de religião bem-informados pela história: com isso, a gente descobre que a pluralidade de religiões não vem da perversão humana e sim de uma bênção originária, de uma evolução saudável, processual e sempre misturada do espírito humano. Desejamos que a Cartilha tenha ajudado a enxergar um toque de divino em meio a esse espírito humano; que tenha colaborado para o reconhecimento dessa base antropológica que nos constitui a todos e exige hospitalidade e comunhão ética; que tenha despertado para aquela altitude mística em cujo silêncio e sonho comum colaboram os sons diferentes de todas as tradições espirituais.
CASA LEIRIA Rua do Parque, 470 São Leopoldo-RS Brasil casaleiria@casaleiria.com.br
Casa Leiria O Observatório Nacional de Justiça Socioambiental – OLMA é um núcleo organizador de instituições e iniciativas em rede focadas em temáticas comuns ligadas à “promoção da justiça socioambiental da rede jesuíta”. Criado pela Província dos Jesuítas do Brasil – BRA para observar em profundidade as grandes questões emergentes da realidade conflitiva e contraditória, em vários âmbitos e territórios, se propõe a desenvolver ações de documentação, sistematização, reflexão, formação e articulação de forma a colocar em sinergia todo o potencial acumulado na Rede Jesuíta, buscando, sobretudo, uma interlocução contínua com os diversos atores dentro e fora da Igreja.
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